domingo, setembro 27, 2009

Photoshop

Quis curar o coração e decidi esquecer.
Esqueci-te.
Mas, agora, na estranheza da minha vida, repito constantemente:
- Desculpe, pensei que era outra pessoa.


AMS

domingo, setembro 20, 2009

O juro dos afectos

Feitas as contas, não perdi nada.
O juro dos afectos baixou a Ocidente
e a solidão mina os subterrâneos
da fortaleza.
Ninguém pode dizer que não estive
onde me dei
e por me dar me promovera a vida:
foi amando que cheguei a fada
valha-me essa prodigiosa natureza.

Alice Fergo

segunda-feira, setembro 07, 2009

Hábitos

Como habitualmente acabarei por trazer o Outono
a esta página. Não há caminhos infinitos para o frio
e esta página será sempre o centro
dos ventos desalojados da ternura. Regresso
a casa, uma casa é só uma memória sitiada
de pedras e ervas. Um latido de ausências.

Teatro de impossibilidades: cenário, enredo,
personagens. Um autor procura-se,
vivo ou morto. Ou assim, assim.

Dão-se alvíssaras aos caçadores de almas
ou de poetas.


Fernando de Castro Branco

sábado, setembro 05, 2009

E TU?

Cortante, desesperante, em ídiche, ouve-se ao longe uma mulher à vista de quem despedaçam o filho e que grita.
E depois um lamento em árabe, mais uma mulher
cuja casa. Ou o filho. A voz é penetrante, aterradora. E tu
aparas um lápis ou colas uma capa rasgada. Ao menos
podias tremer.

Amos Oz

quarta-feira, setembro 02, 2009

O Périplo de Baldassare

Nasci estrangeiro, vivi estrangeiro e morrerei estrangeiro ainda. Sou demasiado orgulhoso para falar de hostilidade, de humilhações, de rancor, de sofrimentos, mas sei reconhecer os olhares e os gestos.

Amin Maalouf

terça-feira, setembro 01, 2009

COM OS OLHOS

Talvez um dia. Talvez um dia alcancemos essa voz, já sem o peso da luz sobre os ombros. Os olhos chegarão então ao fim da sua tarefa; os olhos, instrumentos felizes da realidade mais real. Porque ver sempre foi tocar. Tocar uma a uma cada coisa com os olhos, antes da mão se aproximar para recolher os últimos brilhos de Setembro. Vede como se afasta com fulva lentidão de tigre.

Eugénio de Andrade