Do respirar ou não respirar das palavras
Afinal, parece que este blogue ainda não deixou de respirar. As coisas, por aqui, funcionam de uma forma muito simples: se me apetece escrever, escrevo; ao invés, se não me apetece escrever, não escrevo. Uma coisa é verdade, nunca traço um itinerário com as palavras se ele não me motivar e não for, num estado de meia penumbra, a claridade que me faça entender melhor o que me rodeia ou a matéria, ou não-matéria, de que sou feita.
Escrevo - quer gostem ou não - porque há em mim uma fremente emotividade sempre pronta a ajustar as peçazinhas soltas que não se me ajustam ou às quais não me ajusto. Assim, nunca há prazos caducados já que a qualquer momento, lendo um livro, fitando o mar, tentando decifrar o lado oculto das coisas e das pessoas, sou capaz de encetar a tal viagem – peregrinação interior? – rumo a uma inatingível certeza de estar ou de ser.
Não sou tão frágil como me suponho. Ou antes, sou capaz de me sobrepor às minhas fragilidades, desafiando-as ou apaziguando-as. É certo que consigo dizer melhor o que sinto quando escrevo, mas não é menos certo que, em determinadas ocasiões, não me coíbo de afirmar o que penso ser a minha verdade ou a minha visão dos acontecimentos. Seria incapaz de dizer - amo, gosto, admiro - se os sentimento que tais palavras contêm não se desprendessem de mim de uma forma quente e emotiva. Do mesmo modo, quando não gosto ou algo me aborrece solenemente, não consigo tornear ou asseptizar as palavras de toda e qualquer emoção que me preencha. Nesses casos, recorro, frequentemente, à ironia, nunca ao simulacro.
Quando deixar de respirar, será porque chegou o fim que a todos nos marca. Nunca, mas nunca, porque, contrariada ou insatisfeita, resolvi ludibriar-me - ludibriando - em encenações mais ou menos patéticas.
Ser fiel a mim mesma é, acima de tudo, saber justificar as motivações que me orientam. As alheias são da inteira responsabilidade de quem as cria ou inventa.
AMS
Claridade
Não quero lembrar-te o rosto pois já não olho para ti
em tons de afecto tranquilo ou de aflitiva procura.
Apraz-me esta certeza da distância que nos despede
mesmo quando estamos perto e, sem sobressaltos
na alma, a indiferença, tudo o que da sede sobrou,
galga, ágil, a ilusão que, outrora, dentro de mim se
cravou. O meu querer, onde brilhavam águas caladas,
volatizou-se sem mágoa, sem pranto, sem lamento. Até
o silêncio deixou de minar a alma e serve, agora, para
aproximar as estrelas. E como são bonitas as estrelas
quando não as tentamos moldar à geometria esquiva
de um sonho sustentado pela sombra do que nunca chega
a raiar. Hoje, não te peço o contorno límpido de um
sorriso claro nem gestos que venham ao meu encontro.
Hoje, a palavra não é amarga nem a ausência o rumor
vazio das dunas. Hoje, tempo de redenção, afasto o que
não sinto, abro, serenamente, a janela e saúdo o amanhã.
AMS
...
Sim, tudo é certo logo que o não seja
Amar, teimar, verificar, descrer.
Quem me dera um sossego à beira ser
Como o que à beira-mar o olhar deseja.Fernando Pessoa
Oxalá
O desencanto dos portugueses aumenta diariamente. Falta-lhes já ânimo para reter a esperança condicionada a um subtil - mas contínuo - esvaziamento de promessas e futuro.
Quando se é governado por um homem para quem manifestações de 200 mil pessoas são iguais às de umas centenas de acólitos do governo; quando a corrupção se estende como um prelúdio ao muito do que ainda estará para vir; quando o "maior" partido da oposição decide ter como líder uma péssima ministra da educação e uma não melhor ministra das finanças que, ao fim e ao cabo, nada mais promete do que uma mera clonagem das políticas do PS; quando os políticos, acorrentados a interesses, ao conluio e ao poder, pavoneiam pelos gabinetes e corredores a incompetência e o descrédito; quando, enfim, os mais carenciados são insistentemente abafados por um preciosismo tecnológico que raia o caricato, só resta mesmo virarmo-nos para a selecção. Ainda que encharcados em banalidades que vão desde as constantes reportagens relativas à chegada, à partida, ao descanso, ao despertar, aos gostos e às ementas dos jogadores até ao folhetim Cristiano Ronaldo cheio de salero, olés e euros. Muitos euros.
É certo que este sonho de tantos e tantos portugueses pode transformar-se em pesadelo. Que o orgulho e a euforia podem desaguar num mar de desalento, humilhação e revolta. Mas, para quem já nada tem, o pouco parece muito e o quase parece tudo.
Oxalá, Scolari! Boa sorte!
AMS