terça-feira, julho 31, 2007

Carências...

Acabo este ano lectivo entre penas, ais e suspiros lancinantes: não sou professora ti(N)tular, ou seja, porque manifestei preferência pelo branco e pelo rosé - rejeitando a nobreza do tinto - a senhora ministra não me considerou capaz de estar entre os mais aptos, os mais experientes, os mais trabalhadores, os mais sapientes, os mais fulgurantes, os mais mais, enfim.
Claro que as férias estão mesmo à soleira da porta, mas entrar num mês de merecido descanso - lá virá o do eterno - traumatizada, carente e sem tí(N)tulos é como ser condenada a cem anos de jejum e de abstinência para remissão de um grande pecado: durante todos estes anos limitei-me a dar aulas - o melhor que sabia e podia - e esqueci-me das medalhas, dos títulos honoríficos - estou em crer que os póstumos não me serviriam de muito já que os de há mais de sete anos estão fora da validade - e das comendas.
Irra, além de chateada - às favas com o português vernáculo! - estou a necessitar de uma visita guiada à alma, pois, ao que parece, fiquei sem carta de condução - por falta de pontos, dizem eles; por falta de parque de estacionamento, digo eu - neste concurso de ti(N)tulares.
Juro que até me apetece escrever - Ó senhora ministra, trate-me bem... que eu preciso muito de afecto. E também de mudar de escalão.

BOAS FÉRIAS E FELIZ ANO NOVO!

AMS

domingo, julho 29, 2007

"Tu deviens responsable de ta rose"

Tens a noção exacta da relatividade das coisas, da vida? - perguntou. De certos momentos de felicidade. De algumas mazelas da alma. De emoções alimentadas de trivialidades. De afectos cujo fim da linha é sempre mais curto do que o desejado. Da penumbra do amor findo. Do fulgor de um arrebatamento de efémera plenitude. A única certeza que há em nós e no que nos rodeia, asseguro-te, é a morte. Tudo o mais são meros esboços, balões que ora sobem, ora oscilam e caem, ora rebentam. Não esperes nada de definitivo desta nossa passagem cheia de variações, transbordante de impossibilidades, de insuficiência, de não certezas. Teme o som e o desenlace de certas perguntas. Resguarda-te das brisas com uma doçura de lâmina e da crueldade sedosa do que cremos definitivo
Não percebia se ele se refugiava na ironia, num calculado cinismo ou na incapacidade de penetrar o sentido e a profundidade de uma existência a meditar, a tentar perceber, a alicerçar com andaimes que nunca cedam ao cansaço, à desilusão, à desistência.
Poderia contestar aquelas afirmações. Poderia até confrontá-lo com os muros que as palavras enrolavam à sua volta. Optou por um silêncio magoado.
Se tudo, afinal, era incerto, substituível, renovável, de que adiantaria explicar-lhe que, ainda que repousado há muito tempo, o amor seria sempre uma forma superior, privilegiada, única?! E que a luta pelo sentido dos obstáculos com que nos deparamos, pelos exílios que nos doem, por um tempo de aprendizagem, de procura e de merecimento podia resultar num espectáculo sublime?!
Optou por um silêncio submerso na verdade do que acreditava. Ou do que desejava.

AMS

terça-feira, julho 24, 2007

Charcos de água...

O modo como a avestruz actua perante o perigo - ou quando pretende ocultar-se - é assaz curioso. Enfiando a cabeça na areia, sente-se segura, invisível. Será, digamos, uma forma cobarde e estúpida de viver, uma estratégia inglória - e humilhante - de 'morrer'.
São existências murchas que jazem esquecidas.
Por outro lado, há quem, para se defender de adversários inexistentes, se decida pelo ataque, por fúrias insensatas, por torvos despeitos.
São percursos arrepanhados pelo peso absurdo de um universo esvaziado.
Há, ainda, os actores de filmes sem interesse que optam pelos mais variados disfarces: fadas, Zorros, gnomos, cowboys ou outra qualquer coisa indefinida. O rasto, contudo, indiciará sempre a marca do que são feitos. E da sua vontade de confundir os outros ficará apenas um charco de água estagnada.
São vidas percorrendo quilómetros de coisa nenhuma.

AMS

terça-feira, julho 17, 2007

Poente

Procurou-se no espelho,
não entendeu o que via.

O que sorriu, não sorria,
o que floresceu, já secara,
o que amou, não existia,
o que sonhou, naufragara.

Tacteando a imagem fria,
sentiu que a vida fugia.

AMS

sábado, julho 14, 2007

Transparências

Há pessoas a que sempre volto ainda que o que
a elas me liga sejam momentos que ficam por
viver. Não falo da atracção tocada por veios de
loucura. Não falo da febre fugaz de um prazer
espraiando-se em futuros impossíveis. Falo do
nascimento de uma flor onde menos se espera.
Falo do contentamento do pouco que germina
em muito. Falo das mãos humedecidas de cálidas
emoções que se pronunciam devagar. Falo das
almas enlaçadas no amor, no tempo e na morte.

AMS

quinta-feira, julho 12, 2007

Nada sobressai tanto, nem parece tão firmemente fixo
na memória, como algo em que tenhamos falhado.

Cícero

segunda-feira, julho 09, 2007

Compromissos e servidões

É absolutamente comovedor o 'carinho' com que o povo acolhe o Eng.º Sócrates sempre que há uma inauguração ou acto público.
São difíceis de compreender, todavia, os malabarismo e piruetas do primeiro-ministro para evitar tais demonstrações de afecto.
Com semelhante pano de fundo, não admira que, um destes dias, os eventos oficiais passem a ser condicionados pelas seguintes regras:

Não mexa!

Não fale!

Não respire!

AMS

domingo, julho 08, 2007

Perdão

A paisagem torna-se cada vez mais estreita, e
só consigo ver-te revolvendo os campos da
memória. Como lamento não ter sabido entender-te
quando era o tempo. É tarde já. Os fios prateados
do teu cabelo anunciavam a última viagem, intrusa
e derradeira, que de ti me despedia. Mas era um
itinerário que eu não sabia, pois, nesse tempo, ainda
não calcorreara o cais da partida e da distância.
Não soube amar-te como devia. E, no entanto,
amava-te como sabia, porque só em ti descobria
a grandeza maior que nos preenche. Nela ancorei
a minha fragilidade, os meus temores calados,
a minha dificuldade de escolher entre a sombra
e a luz, o meu egoísmo, a minha ingratidão.
Sei, hoje, o percurso definitivo da tua ausência;
sei que há esperas que nos confrontam com o infinito;
sei que a vida se move de afectos, de silêncios, de ecos
e de perdão. Perdoa-me porque perdi a generosidade
que me ensinaste. Perdoa-me porque, num movimento
descendente, encurralei a palavra gratidão. Perdoa-me
porque, crente de mim, não escutei a voz do coração.

AMS

domingo, julho 01, 2007

vincos


quando se perde o fio ao enredo
e nada mais se pode encontrar
ou resgatar
porque o caminho é sempre
a descer
a aridez dilacera a alma
rendemo-nos ao rosto da dor

AMS