quarta-feira, novembro 28, 2007

Redacção: As Plumas

Eu gosto muito de plumas e quando for rico vou comprar muitas para oferecer aos meus amigos.
Há plumas de todas as cores, feitios e origens, mas as mais bonitas são as de avestruz porque ocupam mais espaço, dão muito nas vistas, são mais luzidias, muito leves e esvoaçantes.
As plumas fazem cócegas no nariz e, diz a minha professora, também podem causar doenças alérgicas e afins. Como ainda não estudei as afins, só posso dizer que as alergias provocam muita comichão e, em casos mais graves, muitas dores de cabeça, muitos espirros, enjoos e convulsões. Para evitar estes sintomas, devemos colocar-nos a uma distância prudente das plumas ou tomar uma vacina contra ácaros, fungos e penas. Estas últimas, as penas, podem ganhar volume e entupir as válvulas do coração. Quando isso acontece, o sangue deixa de circular e a pessoa pode morrer... o que não é aconselhável.
Há que ter muito cuidado com as plumas e tratá-las com redobrada atenção e paciência porque são muito susceptíveis à traça, humidade e ambientes muito poluídos.
Uma pluma que se preze - daquelas que trazem sempre certificado de marca - só esvoaça quando se sente esplêndida, resplandecente e o vento se apresenta de feição. Se, todavia, o vento for muito forte - elas adoram brisas cálidas e sussurrantes - começam a oscilar, tremem, dobram, quebram e murcham.
Devemos todos defender e implementar a produção de plumas porque o planeta seria cruamente fastidioso sem elas. Ainda que menos urticante, digo eu.

Marquinho

domingo, novembro 25, 2007

Altos e baixos

Os que passam grande parte da vida a obedecer servilmente são os mais revolucionários na arte de humilhar os outros. Sem o mínimo sentimento de culpa, cientes de que chegou a sua vez de se vingarem de uma existência hipotecada, pavoneiam-se, delirantes, hasteando presunção e raquitismo mental.
Frivolidade e um cinismo reiterado são os seus grandes pilares porque se habituaram a viver cheios de ressentimentos rasteiros, inexoráveis.
Esquecem-se, porém, que nada daquilo que damos como certo o é. Tudo na vida é um empréstimo, e até as promoções com que o destino nos presenteia não passam de momentâneas glórias que, ao mínimo sopro, se desmoronam, empurrando-nos, de novo, para o último lugar da fila de espera rumo às variantes infinitas do acaso.

AMS

sexta-feira, novembro 23, 2007

...

Quem me dera ter tempo suficiente para emendar os meus erros.
Mas valeria a pena? Nunca poderei comprová-lo.
Eles nasceram cedo e eu acordei tarde.

AMS

terça-feira, novembro 20, 2007

Todo-o-Terreno

Nunca apreciei pessoas 'todo-o-terreno'. Daquelas que são hábeis no cultivo da popularidade porque nunca se definem e estão sempre de bem com Deus e com o Diabo. Num primeiro momento, seduzem; todavia, e porque tudo o que é em excesso tende a enjoar, acabam por não convencer, revelando fraqueza e incompletude de carácter.
É relativamente fácil viver com a percepção de que alguém não gosta de nós, sobretudo se esse alguém não nos suscita a mínima simpatia e admiração. Como o risco de desilusão é praticamente nulo, o mais provável é habituarmo-nos, situando essa realidade no plano das coisas sem importância.
Ao invés, se a decepção que nos atinge tem a sua origem na fonte que nos inspirava afecto, confiança, respeito, vacilamos, aturdidos, incapazes de compreender aquele universo afinal tão estreito, tão mistificado. E definhamos, sentindo que a amizade pode ser um simulacro. Um desperdício.

AMS

domingo, novembro 18, 2007

(IN)concreto

No mais fundo de mim,
submerso nas correntes
dos segredos e do vago,
há um cofre forrado de musgo
onde guardo as coisas que já
não são, nunca chegaram a ser,
ou são-no sem eu saber.
Tento, em vão, abrir o enigma
que esconde, resvalando sempre
na não concretização do gesto
que, suspenso, se nega a ver
o cofre aberto, desafiando o risco
de ser ou não verdade que existo.

AMS

sábado, novembro 17, 2007

...

De cada vez que fazemos ponto parágrafo na nossa vida, a razão obriga-nos a concluir que é muito melhor assim - de nada adianta adiar a visão dos estragos causados por uma tempestade. Urge, isso sim, construir tudo de novo.
Contudo, e paradoxalmente, o buraco que sentimos na alma aumenta e, ainda que já distanciados, assistimos, inertes, à nossa inadaptação e impotência, incapazes de deslumbrar, num novo parágrafo, aquilo que procurámos no anterior.

AMS

sábado, novembro 10, 2007

Pensamento

A penalização por não participares na política é acabares a ser governado pelos teus inferiores.

Platão

Sorria

A maioria das pessoas orgulha-se de levar a vida muito a sério. Para além de demonstrarem falta de humor, elas revelam desconhecer a eficácia de um sorriso para dosear tristezas, mal-estar, fatalidades e outros contenciosos afins.
Um sorriso pode ser uma lição de coragem, uma subtil bofetada dada na hora e no momento oportunos, um gesto capaz de desarmar hostilidades, um dom cheio de múltiplas variações mas sempre com o mesmo objectivo - levar-nos a acreditar que, por mais cerrada que seja a noite, há sempre um pontinho luminoso pronto a servir-nos de guia. É tudo uma questão de mais ou menos névoa. De observação cuidada. De tempo. De persistência. E de autenticidade, claro.

Está ser filmado/a, sorria, por favor.

AMS

quarta-feira, novembro 07, 2007

Eminências

O mundo está cheio de eminências pardas que se sentem no direito de exigir aos outros todas as cores do arco-íris. A vaidade, presunção e arrogância não provocam apenas cabeças inchadas de nada. Provocam, sobretudo, esvaziamento da alma. O que se faz - ou não se faz - mais do que levar a grandes ou medíocres desempenhos, não é marca dominante do nosso valor. Este depende, em grande parte, da simpatia, da afabilidade e da humildade do saber ser e estar.
De pouco adiantam, pois, os nossos conselhos se as nossas atitudes não fizeram jus às nossas palavras que, na maioria dos casos, dão para tudo e para o seu contrário.
Ser-se grande não é uma vocação. É uma forma de carácter, de riqueza interior, de convicção.

AMS

segunda-feira, novembro 05, 2007

Última Hora

O governo socialista contempla as baixas dos funcionários públicos com um novo despacho - As Juntas Médicas poderão, a curto prazo, ser substituídas por uma simples declaração da Agência Funerária mais próxima do lugar de residência comprovativa da morte a curto prazo - 8 dias úteis - do funcionário com baixa. Neste caso, e porque o governo vem caminhando no sentido de uma maior sensibilização às reais necessidades dos funcionários públicos, não será requerida a presença do trabalhador numa Junta Médica.

a) Se a morte não ocorrer no prazo exigido por lei, o funcionário será acusado de fraude, estará sujeito ao pagamento de uma indemnização ao estado, sendo ainda obrigado a comparecer, de imediato, no seu local de trabalho.
b) No caso da alínea anterior, o trabalhador não poderá expirar num prazo inferior a um ano; caso o óbito se verifique antes desse período, o funcionário corre o risco de entrar para uma lista de excedentários e de, posteriormente, vir a perder o vínculo à Função Pública.

AMS

domingo, novembro 04, 2007

Acto único

Gostas de mim?
Zzzzzzzzzz...
Achas-me bonita?
Zzzzzzzzzz...
Reparaste que estou mais elegante?
Zzzzzzzzzz...
Não dizes nada?! Parvalhão. Vou trocar-te por outro que saiba dar-me o valor que mereço.

(Sai, decidida, pronta para encomendar novo espelho.)

FIM