soma máxima
Olho para trás
Rasgando a via larga
Da memória
E vejo todos os rostos
Que de incandescente traço
Em mim ficaram
Não são vultos
Fantasmas desbotados
Lembranças em fundo negro
Presas a uma história
De capítulos desolados
Esses rostos são leveza
Acenos quentes de certeza
Que tudo conserva
E tudo faz permanecer
Olho à minha frente
Sem traduções urgentes
Porque os rostos que amei
Amo e amarei
São a soma máxima
De tudo o que sou
E sinto.
AMS
intimidade
suspensas
as palavras aquietam-se
no nicho mais silente
da alma
num tempo que promete
habitar a eternidade
resta a verdade do olhar
no seu murmúrio brilhante.
AMS
O ovo de porcelana
O imprevisto é a prova de que a vida pode e deve ser filtrada com carinho, emoção e humor. E, hoje, amiga Zé, pude constatar que a consistência da nossa existência assenta, sobretudo, numa boa dose de aceitação, disponibilidade e optimismo, dando rédea solta a um sadio anticonformismo e a uma energética imaginação.
Quando cremos piamente que a vida já nos ofertou o seu toque de excentricidade e/ou loucura, que nada mais - sem protocolo íntimo - será capaz de nos extorquir uma gargalhada efervescente e um desejo polémico de olhar para trás com prazer e gratidão, eis que o destino, brincalhão, resolve alterar o nosso horóscopo chinês, elevando-nos, de novo, a um patamar de humor, boa disposição e indisciplina mental.
Ainda estive tentada a mimosear-te com uma fascinante história de amor - tão do teu agrado - mas contive-me: esse espírito pós-modernista é demasiado acutilante, objectivo. Por instantes, outro argumento atraiu a minha desenfreada criatividade - um longo e alcachofrado drama doméstico. Desisti: a tua energia e vitalidade não suportariam lágrimas e suspiros melancólicos, sensaborões.
O dilema instalou-se nesta (minha) alma requintadamente sofredora. Observo atentamente o ovo que me ofereceste - que não é de chocolate - e sinto-me invadida por uma nefasta apatia artística - o criador devorado pelo nada. O teu presente merecia uma ode triunfal e nem uma frouxa historieta o aclama. O teu gesto generoso - sem toque de maquilhagem - comprimido e esticado numa lengalenga repetida e repetida?! Nunca (jamé)!
Luz em excesso não brilha, cega! - costuma dizer, sabiamente, o meu pai. Assim, e como o flash também é luz, fico-me por um "obrigada" ternurento (primeira edição) e um sorriso magistralmente comovido. E brincalhão.
Ana, a solene (mas não imponente).
Nota: Não fiques aflita porque vou já fazer a acta. Nem sempre uma imaginação hiperactiva é sinal de irresponsabilidade.
AMS
quimera
não há que enganar
já não te recordo com a
tristeza imensa da ausência
dó maior de um eco sem resposta
não há que enganar
a marca fatal da razão apenas
me permite a consistência
do desencanto exacto da metáfora
que desenhei na transparência turva do desejo
não há que enganar
morre em silêncio o que não foi
destino inevitável dos veleiros
fundeados no tempo breve da quimera
AMS
...
Algumas pessoas - geralmente as imbecis - gritam aos ventos que a consciência jamais lhes pesou. É natural. É difícil sentir o que não se possui.
AMS
porque
porque
não gosto de me enredar no supérfluo e deixar para trás o essencial,
porque
sou incapaz de estar como se não estivesse,
porque
recuso confundir-me nos gestos dos outros pela cobardia de me transparecer nos meus,
porque
creio que a serenidade retemperante de um sorriso cativa mais do que a estridência mecânica de uma gargalhada,
porque
o meu coração está mais atento ao toque humilde do afecto do que à soberania do capricho,
porque
aprendi que nunca é tarde para cheirar a esteva e a liberdade,
porque
sei que um olhar pode transportar consigo a alma,
porque
procuro não me enclausurar em mim mesma ainda que carrregando o medo de falhar,
porque
tento estar à altura do que me é exigido embora, às vezes, sinta a garganta apertada,
porque
é o Amor que me conduz e me sustém, hoje e sempre,
TENHO ORGULHO EM SER MULHER.
AMS