segunda-feira, março 06, 2006

claro-escuro

Hoje, disse a alguém – Cresci! Exorcizei alguns dos meus medos. Não foi uma grande vitória, é claro. Mas não fui derrotada ao primeiro round. Venci-me. Assumir as nossas fraquezas não é um drama. Faz parte do percurso da vida. Vergonha é querermos que os outros pensem que a nossa vida é em pleno, uma espécie de filme cor-de-rosa onde a heroína nunca engole lágrimas saudosistas, nunca se depara com derrotas diárias, nunca, mas nunca, se sente só e perdida.
Receio não ter sido compreendida. Olharam-me e pensaram – que original. E eu ri cá por dentro. É óbvio que não havia da minha parte qualquer preocupação de originalidade. A não ser que se passasse a considerar – é bem possível – que ser-se original é não ter como objectivo ser original. No meu caso, porém, procurava apenas, ao dizer o que disse, demonstrar que é louca a ideia de nos podermos ver com o à-vontade de não nos vermos.
Sinto um verdadeiro fascínio por caleidoscópios. Talvez porque representem uma lição de harmonia. Talvez porque sejam a prova de que toda a desordem é dinâmica e portadora de criatividade. Eles mostram uma espécie de caos ordenado: pedaços de vidro colorido, pedrinhas e cristais, contas e missangas, enfim, coisas variadas que se acumulam e se misturam sem se chegarem, aparentemente, a entender. Mas basta um movimento rotativo da mão para que esses fragmentos perdidos se organizem em simetria perfeita, nunca capturada pelo mesmo olhar. Por isso, acho o caleidoscópio uma lição de vida sem manual de aprendizagem. Ao virá-lo para a luz, acende-se a magia da "lanterna mágica". E as imagens nunca se apresentam desfocadas. Tudo é tão simples quanto parece. Colorações e matizes jamais pensados moldam-se conjuntamente, subvertendo o estabelecido, mas preservando o lugar onde os sonhos habitam. Para quê querer mais?
Cada um de nós possui o seu caleidoscópio particular feito de memórias, vivências, desejos por cumprir, um arco-íris quase ilimitado de emoções e tudo o mais que julgamos único. E onde está ele guardado? Na nossa cabeça? No coração? Suponho que precise de ambos para se poder espraiar. Umas vezes encontra-se em ordem e harmonia; outras, convida-nos a uma temporada no caos, onde tudo é disperso e fragmentado - por isso, assustador. Cabe-nos a tarefa de estabelecer o equilíbrio. De transfigurar e regenerar. De nos reconciliarmos com o que somos… sem medo de sermos julgados pelo que, na verdade, não existe em nós.
Assim, volto a dizer, hoje, cresci. Não senti necessidade de me desculpar pelo que devia ter sido. Pelo que fui. Pelo que talvez seja. Frágil. Vulnerável. Complicada. Mas, seguramente, desenhando com determinação o destino que me cabe.

AMS