segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Como é que o real entra no inventado?

Senta-te aí um bocadinho… Não faças essa cara! É importante para mim. Quero que percebas o meu mundo. Fecha os olhos. É como jogar às escondidas. Não, não vás por aí, por favor. Tenho receio que te escondas bem de mais. Que encontres um lugar tão inacessível e remoto, que eu não dê contigo quando terminar este jogo. E, em vez de nos encontrarmos, correremos o risco de nos perdermos.
Claro, pode haver sempre uma réstia de esperança. Esperança... Detesto esta palavra. Associo-a a cruzar os braços, a declaração de impotência. Já não tenho esperança de nada. Aprendi a lutar pelas coisas até ao limite do impossível, não do possível. O possível está ao nosso alcance. Só o impossível nos desafia verdadeiramente.
Julgavas que ia contar-te a minha vida? Não. Quero apenas confirmar que estou viva, escrevendo, uma a uma, as palavras que me representam. Gostaria de deixar escrito quem sou. Se te mencionar palavras como: cobardia, angústia, medo, felicidade, será que me compreendes? É difícil, não é? Eu própria duvido do significado de algumas. Adeus, por exemplo. Não sei muito bem o significado da palavra adeus. Adeus tem a ver com acabar, será? Com algo que se esgotou. Adeus é sinónimo de partir, creio. Nunca se deve partir pelo que nos fizeram. Devemos partir pelo que não nos fizeram.
Não te assustes, não estou louca. Não tenhas medo. Eu também já não tenho. A maior parte das pessoas tem medo da solidão. Associa-a à ideia da morte. Nada há de mais misterioso do que a morte. Não a morte em abstracto, mas a daquela pessoa que deixa de nos poder abraçar, cujo sorriso se apaga e a voz já não ouvimos. Só que, às vezes, é forçoso deixar partir. E que nos resta depois? Perscrutar o céu. Não para ver estrelas - que já não se vêem estrelas nas cidades, tantas são as luzes que à noite se acendem para espantar o medo do escuro. Se buscamos, na noite, o clarão esbranquiçado da lua, é para ter saudades. É o que tenho. O que escolhi.
Não estás a perceber nada, não é assim? Baixas a cabeça. O silêncio protege-te. As palavras revelam-me. Pobre de mim. Respirar. Ser. Pensar.
O jogo acabou. Podes ir embora. Eu não existo. Nunca existi. A verdade é essa.

AMS