Entre el alba y la noche hay un abismo - Jorge Luis Borges
Olha para o relógio. Fugazes horas perdidas no espaço.Durante lassos momentos, fica especada, no passeio, sem saber o que fazer, debatendo-se com desejos e sentimentos contraditórios. Querendo continuar. Querendo parar. Não sabendo o que querer.
De que adianta disfarçar a mentira com outra mentira? – interroga-se. Aquele mal-estar indefinível, aquela raiva que parecia vir dos confins dela mesma, aquele esmiuçar até à exaustão o que não entendia… tudo deixara de ter sentido.
Perscruta o interior do edifício até lhe doerem os olhos. Cada pessoa que entra ou sai parece-lhe familiar. Julga reconhecer feições. Imagina identificar gestos que a permitam situar-se. Nada. Não há direcção possível.
Tenta distrair-se. Não é capaz de se lembrar de algo suficientemente estúpido ou banal. Um estímulo qualquer que abrisse o leque de razões que a levasse à lógica final. Tenta ter pena de si mesma. Já nem isso resulta. Grãos de poeira caem com subtil resignação e, em breve, tudo ficará coberto de um cinzento sufocante. E a solidão, essa sensação de não fazer parte de nada, submergi-la-á até ao ponto de não conseguir encontrar-se.
Começa a caminhar, afastando-se do que a arrastara até ali. Encostada à parede, percebe que procura, desesperadamente, aquilo que a perderá. O inimigo abstracto, aquele que tem, exaustivamente, soterrado a sua esperança na vida, nas pessoas, é… ela, afinal. É ela que tem gerado a morte dos seus próprios sonhos. Contudo, ainda não era demasiado tarde. De longe, viriam novos ventos. Uma verdade que lhe eternizasse a grandeza de ser.
Sente-se estranhamente aliviada. Livre. Como se, ao passar por um contentor de lixo, atirasse lá para dentro, um a um, os resumos - sempre incompletos - da sua vida.
Pelo rosto passa-lhe um vinco de determinação. E, empurradas pela expectativa de mudança, começaram a soltar-se as lágrimas que, há muito, tinha aprisionadas dentro de si.
AMS