domingo, outubro 28, 2007

Ainda importa

As coisas esquecem-se. As pessoas também. Nada ficará de nós se os outros não nos guardarem na memória dos afectos.
Pergunto-me frequentemente se a minha passagem pela vida se esborratará numa mancha difusa ou se, pelo contrário, alguém, sentindo a minha ausência, murmurará - Foi bom conhecer-te. Tu fizeste a diferença e mudaste a minha vida.
Esta incerteza incomoda-me. Olhar para trás e concluir que nem a poeira do nosso rasto ficou, que a marca da nossa alma - aquela que nos torna distintos, especiais - jamais envolveu os outros numa carícia quente e eterna, que nada nos resta a não ser deixarmo-nos engolir pela escuridão, deverá ser a dor mais lúcida, cortante e interminável que a morte exala.
Não basta que sejamos reais. É preciso que sejamos relevantes para que o nosso toque não morra e a nossa vida faça algum sentido.
É por isso que quando pensamos - já não importa - urge que a alma amplifique a sua fé, a sua força e grite - ainda importa. Mesmo tendo a certeza de que já não veremos as folhas mudar de cor. Mesmo sabendo que quando o outro sentir vontade de pegar na nossa mão, já não estaremos cá.
Mas se existirmos no coração de alguém, as areias do tempo nunca apagarão a nossa marca.

AMS

sábado, outubro 27, 2007

...

Não quero a incerta lua que me ofertas
Nem a crueza do sol que me tapa de ti.
Dá-me apenas a sombra da luz quente onde te ocultas.

AMS

sábado, outubro 20, 2007

Céu límpido

Não há mais quês nem porquês
Nem ponteiros regulando o coração
Num tempo que se julgou para sempre.

Há apenas a certeza de que a vida vale a pena
Quando a vontade entrelaçada de futuro
Nos anima a florir na dureza do Inverno.

AMS

domingo, outubro 14, 2007

...

Nos dias errados da vida
basta-me o teu sorriso
para enganar a tristeza.

AMS

utopia

fosse possível
um dia
traçar uma linha
que nos ligasse
de assombrosa luz
e não mais o amor
se equivocaria

AMS

quarta-feira, outubro 10, 2007

Era o que mais faltava

Era o que mais faltava que o povo e os sindicatos não pudessem expressar livremente a sua opinião - disse, ontem, o primeiro-ministro aos jornalistas. Estamos numa democracia e, meus senhores, se eu deixasse de ser apupado, acreditem que até sentiria saudades.
Era o que mais faltava, Sr. Eng. Sócrates, era o que mais faltava que o povo o deixasse morrer à míngua de saudades. Isso nunca acontecerá, acredite.
Vossa Excelência não entende, ou não quer admitir, o desencanto de todos nós - e não só dos comunistas, sim, os tais que comem criancinhas; Vossa Excelência não aceita que este desnorte que as suas políticas provocaram suscite críticas, contestações e um desagrado geral; Vossa Excelência parece esquecer - apesar do que a História da Humanidade tem demonstrado ao logo dos séculos - que quanto mais a repressão prolifera, maior o desconforto e a vontade de mudança.
O Homem nunca desaprenderá a palavra Liberdade ainda que sujeito a governos artificialmente democráticos. Pode até escrevê-la com o seu próprio sangue, mas nunca permitirá que a apaguem já que ela faz parte da sua própria essência.
Pode ficar tranquilo, senhor primeiro-ministro, que, de saudades, ninguém o deixará definhar. Era o que mais faltava!

AMS

domingo, outubro 07, 2007

...

O amor é um estado de graça porque existe em nós e para além de nós. Não se ama para ou porque. Ama-se por direito próprio. Ama-se porque o amor é a revelação de que o Homem nunca prescindirá do céu ainda que caminhe rente aos muros do inferno.

AMS

sábado, outubro 06, 2007

...

Quando a vida assenta no deixa-andar da (nossa) razão e de um primitivo instinto de sobrevivência, de pouco serve explicar que certas atitudes podem ser mais perniciosas do que a contraluz do erro. São aqueles que se julgam detentores da verdade e da moral que, arrastados pela sua leveza, mais levianamente se abeiram do precipício da injustiça e da pequenez.

AMS

sexta-feira, outubro 05, 2007

Distância

A memória, de tanto ler ausência,
já não dói; as mãos, quando te apagam,
já não tremem da febre que espreitava a ilusão;
e até mesmo as palavras, cansadas de rasuras
sufocantes, carcereiras, ficaram desbotadas, ilegíveis.

Já não és traço em mim, margem de um
sonho iluminando a lenta espera das manhãs.
Vira a página. Eu já virei.

AMS