quarta-feira, maio 21, 2008

A máscara

As palavras, direccionadas com a força de uma violenta, desapiedada bofetada, atingiram o alvo.
Por momentos, instantes cavos e íngremes, um gosto nauseabundo ferveu-lhe na boca e na alma. Queria cuspi-lo, afastá-lo para bem longe, mas da sua boca de madeira nada saía. Nem a dor. Nem o assombro e o humilhação que desciam pela garganta e entravam por várias artérias directas ao coração. Foram segundos desenhados sem urgência, arrastados, treinados para criar ramificações.
Aquele espaço era um rumor de serpente deslizando, tensa de expectativa, pronta a esmagar. Exacta. Mortífera. Inclemente. Tão inclemente que uma lágrima, por mais pequena que fosse, seria interpretada como um borrão desajustado. Uma lágrima não passaria de um texto pronto a ser lido por olhos vorazes habituados a alimentar-se da nudez e do frágil.
Socorreu-se da imobilidade do rosto para ocultar a agonia que lhe enchia os pulmões e rareava o ar. O olhar, porém, descalço na aridez circundante, manchava-se de sombras e tristeza.
Coloca a máscara, coloca a máscara! Com ela ficas incólume às arestas de aço das palavras e aos estilhaços do gesto - gritava uma voz que nascia e acabava dentro de si.
Através da ferida sem crosta, o sorriso abriu-se, desfocado, sem memória, resguardando a mágoa e o cansaço do coração. Ele era o seu maior desprezo.

AMS