sábado, setembro 06, 2008

Os três cavaleiros

Estavam decididos a tomar o castelo, expulsar o suserano, ocupar o trono, aumentar os servos, alargar as terras.
Inicialmente, o plano consistia numa invasão rápida e inesperada. Assim, de terra em terra, os três cavaleiros iam espalhando a sua doutrina com o único objectivo de angariar partidários para a sua causa.
Falavam de injustiças, apregoavam liberdades, hasteavam igualdade. Os ingénuos acreditavam, piamente, nas suas falsas palavras; os astuciosos viam nelas uma oportunidade de singrar na vida; os mais experientes abanavam a cabeça, benziam-se e continuavam a lavrar os campos. Com o tempo tinham aprendido que ninguém deseja o poder para melhorar a vida dos outros. Com o tempo tinham aprendido que nas grandes cruzadas noventa e nove por cento dos cruzados pretende alcançar riqueza e glória e que apenas um por cento dedica a alma e a vida a uma fé ou causa.
Ao fim de algum tempo, os cavaleiros começaram a perceber que não seria com parábolas e sermões que obteriam o tal exército capaz de derrubar, rapidamente, as muralhas do castelo. Mesmo os voluntários, camuflados sob o objectivo solidário, começavam a fazer reivindicações, criando pequenos conflitos que em nada beneficiavam o alvo do ainda incipiente contingente.
À noite, os três cavaleiros, sentados à volta da fogueira, urdiam estratégias e mais estratégias, chamuscando os cabelos eriçados de ambição. Não, não seria com aquele punhado de homens - alguns, fanfarrões e cobardes - que conseguiriam lograr o seu objectivo. Seria, pois, forçoso desenvolver um outro plano mais prático e eficaz.
Silenciosamente, enquanto os outros dormiam, pegaram nos cavalos e armas, afastando-se para bem longe do acampamento e dos seus seguidores.
Cavalgaram durante vários dias e noites até que chegaram às portas das muralhas.
Um dos cavaleiros - a história não relata se haveria alguma hierarquia ou laços de sangue naquele pequeno grupo - recomendou aos outros dois que retirassem,lançassem fora as armaduras e todas as armas, soltassem as montadas e se misturassem, subtilmente, por entre as filas de mercadores e pequenos comerciantes que se preparavam para entrar no feudo.
O relato é interrompido já que omite o que se passou nos tempos que se seguiram.
A história - e tento ser fiel ao que me foi narrado - não indica as razões pelas quais, ao retomarmos o fio condutor da narrativa, vamos encontrar os três cavaleiros, governando, legislando e ocupando o papel de conselheiros-mor do rei.
Magia? Artes demoníacas? O mistério ficará para sempre envolto em densas neblinas.
O certo é que a fama, a riqueza e o poder dos três senhores se espalhavam pelos feudos e reinos vizinhos. Os amigos bajulavam-nos, jurando-lhes fidelidade, os inimigos temiam-nos, os servos rendiam-se ao seu despotismo. Só os velhos, fartos de taxas e do servilismo de sempre, cuspiam para o chão e benziam-se quando eles passavam.
Não se sabe ao certo qual o final dos três cavaleiros. Uns dizem que, sempre envolvidos em guerras para aumentar terras e poder, acabaram por ser condenados à forca acusados de traição; alguns, talvez mais conhecedores dos desvarios do Homem, contam que, tolhidos por uma ânsia incontrolável de poder, acabaram por se ferir de morte uns aos outros sorvidos pela ambição desmedida que sempre os norteou; outros, aqueles que se inspiram em actos semelhantes para altear a sua fogueira de vaidades, descrevem a vida dos três cavaleiros como um feito heróico e libertador.
A escolha é sempre nossa (mesmo quando decidem escolher por nós).

AMS