domingo, março 26, 2006

Canto secreto

Eu sabia - sempre soube - que só o céu me chegava para me sentir em casa. Não um céu de silêncios. Não um céu de um Deus que parece ter caído num sono gelado. Não um céu que parece permanentemente lembrar-nos – sobrevive para saberes o que podes sobreviver.
A altivez perante a vida é antiquada – dizem-me. Que seja! Resta-me, pelo menos, a aresta das palavras para escoar a noite e as imensas feridas, muito iguais, muito secas, provocadas por sentimentos desumanos disfarçados de humanos. Ainda acredito, neste universo de coisas raras, que podemos e devemos gostar de ser gostados, de fazer por isso, sem termos de prescindir de manter a coluna vertical.
Se eu digo que sou triste, minto. Chamemos as coisas pelos nomes. Não somos donos de nada. O que mais importa é o que só passa e nem se deixa tocar com os dedos. É preciso ter cuidado. De repente, à luz da noite, percebemos que não vamos a lado nenhum. Que só tem valor o que não se pode comprar. Que o que nos espera… não espera por nós.
Se eu te digo que sou triste, minto. Indiferença é aquilo que eu sinto. Se por aqui passaste, se tocaste ou mesmo entraste… não sei. Já não importa. Fica-me a certeza de me saber exacta. Toda a tranquilidade exige dor. Nenhuma lei é a mais justa. Agora sei que só os náufragos do sonho entendem o canto das sereias.

AMS