sexta-feira, março 24, 2006

O espaço do amor

Por que motivo demoraste tanto a bater à porta do meu coração? Já não contávamos contigo. Mas o amor faz questão de não entregar cartão de visita. É absolutamente desconcertante no tempo e no espaço que frequenta.
Como não esperava visitas, abri, apenas, uma pequena fresta. Ao princípio, não te - o - reconheci e receei-te. Fora apanhada de surpresa. Ainda tive a tentação de fechar a porta e ignorar o toque suave de uma coloração quente de sede. Além disso, não estava adequadamente vestida - pensava eu - para receber tão ilustre e intempestivo visitante. Nem sequer tinha retocado o sorriso triste e o meu vestido, salpicado de lembranças e olhos molhados de nostalgia, não me parecia muito apropriado. Os meus gestos eram desajeitados, lentos e a surpresa povoava-me a alma de inquietação e de não sei que inexplicável alegria. Suponho que a interrogação que transparecia no meu olhar fosse o motivo do teu sorriso tentando atravessar a luz hesitante das palavras.
Mas não foram necessárias palavras. A atenção estava centrada no ritmo do silêncio que nos permitia conhecer o íntimo um do outro. Era como se, por estranho feitiço, tivéssemos chegado a terra amante, coberta de beleza, sem que o encanto se quebrasse.
O receio desapareceu. Era o acaso feliz. Gestos de pureza inicial. Totalidade. Recordação que fica guardada para sempre. Assim se toca o amor com a chegada de alguém que nos bate, docemente, ao coração. Podemos abrir a porta ou espreitar, temerosamente, através da janela mais próxima, tentando adivinhar, na claridade ou na escuridão, que horas serão na nossa vida.
Optei por não ligar ao tempo. Optei por te dar o espaço do amor, e abri o meu coração, de par em par, com a ingenuidade que o amor transporta, tornando os nossos gestos incontroláveis, loucos, loucos...
Até que espaço de magia? Até que horizontes de delírio? Que importa?! Serão sempre os únicos que merecem ser alcançados. Num despojamento total, numa entrega completa.
Dei-te o espaço do amor. Tu deste-me o desejo, o fogo, a loucura e a perenidade do que é fugaz.


AMS