segunda-feira, março 27, 2006

Novo Palco

Não quero justificar-me. Logo, é inevitável que me justifique.
Queria virar a página. Contudo, as raízes não estão ainda cortadas. Toco-me e estou viva. Mas vejo a morte respirar num círculo de silêncio. Vejo todos aqueles que já partiram. Sombra e distância. Palavras estranguladas na garganta. E a saudade. E o pó que se entranha aceso de mágoas. E este absurdo desejo de sentir real tudo o que está ausente de mim. Mas tão em mim.
Não quero justificar-me. Exijo que me justifiquem este incontrolável pânico de me descobrir tão frágil perante a vida. Perante mim. Perante os outros. E tão dependente de memórias sem fundo. Já inábeis para sonhar.
Queria virar a página. Esta. Vazia de luz. Aturdida de perguntas sem respostas. Desenhada a medo. A decepção. A uma incompreensão que chega a queimar a alma. Pobre alma, debatendo-se entre o desejo de um breve acorde e o de um grito que sorve o desejo.
A caneta desliza sobre a folha calcinada de sentimentos sempre inacabados. Pé ante pé. Tentando chegar ao fim. Negando o fim. Esforçando-se por verter palavras sem atalhos. Sem cicatrizes. Apagando cores que sangram. Esboçando um céu azul, muito azul, que afogue a morte, que estrangule o silêncio, a culpa, o medo, a fuga, a saudade. Que (me) recupere a vida. Que vire a página.


AMS