domingo, outubro 08, 2006

e tudo o deserto levou... ou quase...

Caro leitor, permita-me um convite. Sim, sim, eu sei o que está a pensar: esta tipa passou-se! Como se atreve ela a dirigir-se a mim?!
Mas, caríssimo e adorado leitor, eu insisto no convite. Já que entrou – por engano, certamente – sente-se, confortavelmente, pegue nas pipocas, na coca-cola, no lenço e … assista à sessão das cinco. Não, não é preciso comentar. Não tem lenço? Vá buscar. Eu espero.



(Pausa)


Ena, sempre voltou! E traz o lenço. Fez bem, nunca se sabe o que o espera. Há fitas e fitas e esta é um drama épico. Vá lá, ponha outra cara. Um esgar que seja… sim, isso mesmo… afinal é uma simpatia…


(Apagam-se as luzes. Concentre-se no écran.)


O deserto. Areias escaldantes. Os nossos heróis marcham lenta e sofredoramente. Ela, a doce protagonista desta fita, tem um ar desamparado, frágil, angelical - tanto atributo não cabe no écran - tipo de mulher que requer atenção constante, está a topar? Uma flor de estufa, uma cândida e terna Ofélia um tanto ou quanto ressequida pelo calor tórrido do deserto.
Ele, bem, ele é um aventureiro destemido, robusto - assim a modos que o Alexandre Frota - e muito apaixonado. É necessário explicar-lhe que esta saga no deserto é a continuação de outros filmes nos quais, depois de vários encontros e desencontros, o galã salva a Ofélia e foge com ela para o calor infernal das quentes areias do deserto.
E a marcha continua. Os ais da pobre mocinha - que superam em dor e delicadeza os do Castelo Branco - quebram o coração do destemido cavaleiro. Mas o deserto é imenso… imenso… o calor entorpece-lhes os movimentos…ela vacila (ai!), ele levanta-a e pega, suavemente, no corpo da amada…


(Pausa para o leitor limpar as lágrimas.)


A sede aperta. Os cantis vazios, há muito - suponho que já no filme anterior -tinham sido lançados fora. Ele continua a arrastar-se, penosamente, através daquele brasido arenoso , mas sem largar o corpo da mulher amada que, de quando em vez, emite uns lancinantes ai, ui …


(Pode beber um pouco de coca-cola, amigo leitor, que a sede é contagiante.)


À medida que o tempo avança, vão ficando em brasa - não, não é isso que está a pensar, sua mente poluída. A penosa marcha pressagia um final trágico. Os nossos heróis debatem-se entre a vida e a morte. Ela desmaia. Ou terá morrido? - a constatar em próxima fita. Ele pára e atira-se, soluçante, sobre a areia mortífera. Aperta-a, grita o nome dela vezes sem conta, sacode-a… tudo em vão.


(Nova pausa para o leitor assoar o nariz, sufocar a ânsia - e a boca - de pipocas, beber mais um golito de refrigerante e pensar - que porra de vida, a boazona parece que morreu mesmo. Estupor de realizador!)


Grande plano, fazendo lembrar “E Tudo o Vento Levou”. O nosso “Clark Gable” amarfanha o rosto da pobre “ Scarlet”, enquanto exclama - Vou levar-te para o Sapo! Juro pela tua saúde! Amanhã é outro dia (para ele é, será; porém, para a aparente defunta já não tenho tal certeza... a ver vamos...)!


FIM


(Levante-se, veja se leva consigo as lágrimas, o nariz, as pipocas e a coca-cola. Apague a luz e feche a porta... por favor! Ah… obrigada pela companhia!)

AMS