sábado, junho 23, 2007

Clandestinidade

A realidade do poder assusta-me. Não discute nem convence. Sacrifica liberdades legitimada pela obediência cega de uma maioria ou por obscuros interesses económicos. Refiro-me, claro, a uma certa realidade opaca, sinuosa, enredada e cínica expandindo-se, dia após dia, numa teia lúgubre e perigosa que mais não visa que fortificar o poder de alguns. Curiosamente, a consciência colectiva do(s) povo(s) parece também, dia após dia, cada vez mais adormecida, rotineira, passiva, acomodada. Agonizante.
Ninguém faz nada! No entretanto, em silêncio, a teia prolifera alimentada pelo alheamento de quase todos nós e por uma sede insaciável - fúnebre e funesta - de autoritarismo , dirigismo e medo. Assim, o poder - já anunciado - revela-se.
Receio o final desta história. O futuro de um povo não pode construir-se em gabinetes atolados de verdades escuras, fictícias, patéticas. O futuro de um povo não pode - nem deve - passar por um ataque subtil às liberdades e garantias das pessoas.
Será que se combate a fraude e a corrupção através do controlo de todos os dados dos cidadãos? E aos cidadãos não preocupará o facto de verem as suas vidas privadas expostas a olhares anónimos, talvez desprovidos de ética, gerados por práticas autoritaristas que não visam senão fins pouco claros?
De qualquer modo, o medo começa a alastrar. Se o governo recuou na construção de uma base de dados relativa aos grevistas, não foi de mote próprio. Se o caso do professor que foi acusado de deslealdade - ainda não se lembraram da palavra traição - ao ter emitido uma opinião pessoal, é mais um exemplo de um impúdico atentado à liberdade de expressão, pergunto-me quantos mais exemplos similares haverá sem direito a serem publicitados e discutidos pela opinião pública porque abafados por um silêncio tendencioso, preconceituoso, que deveria provocar em todos nós um sentimento de inquietação em lugar desta acautelada distância face a todos estes indícios de que algo não vai bem.
É por tudo isto - e, receio, pelo muito mais que há-de vir - que julgo estarmos a viver entre parêntesis. Somos vítimas e carrascos. Vítimas de uma poder arrogante e autista; carrascos da nossa perda de identidade e de definições.
O drama do nosso país - o nosso drama - tem, sobretudo, a ver com este vaguear ao sabor de “ melhores dias virão” , numa estratégia apática de defesa. De sobrevivência.
Ainda que essa sobrevivência consista em vivermos como avestruzes sempre com a cabeça debaixo do solo, anestesiando a memória da morte.

AMS