Coleccionadores e borboletas
Há histórias de vida que fazem sucesso. Não é o meu caso já que apenas aprendi a ouvi-las com uma certa ironia na alma. E, algumas vezes, com um pouco de ternura também.
Nós, mulheres, gostamos de histórias, ainda que sem qualquer final feliz, trágico, surpreendente. Ou talvez por isso. Histórias sensíveis e tristes, renegadas, amaldiçoadas mas sempre bem-intencionadas. Histórias que nos fazem sentir maternais, amorosas, cúmplices, de uma feminilidade esplêndida.
A última que escutei falava de borboletas, da efemeridade desses belíssimos insectos e de um coleccionador destas frágeis criaturas. Alguém que adorava o voo tonto, ingénuo das mesmas, as suas cores invocando fantasias e ilusões, a sua paradoxal necessidade de estancar a liberdade num dulcíssimo fruto e de a transformar em desilusão.
Os coleccionadores, sobretudo os que adoram borboletas, comportam-se sempre do mesmo modo com todas elas: observam-nas, cortejam-nas, seduzem-nas com promessas de eterna devoção, carinho, desvelo, e quando as pobrezitas se dão conta estão preciosamente, amorosamente "alfinetadas" num qualquer catálogo de exposição.
Enfim, o velho jogo de procura e encantamento, encontro e esquecimento. Prosaico? Certamente. É necessário, porém, perceber que o que faz correr o coleccionador é a ânsia de encontrar a borboleta única, aquela que satisfaça o seu sonho, o seu capricho sempre mais exigente, sempre impossível. Tal borboleta não existe, claro. Não passa de um pretexto, de uma justificação que se pretende racionalmente exacta. Na realidade, o que ele procura – mas se nega a aceitar – não é senão o desejo de um recomeço, de uma outra vida que lhe proporcione a satisfação e a felicidade que nunca encontrou porque, todo-poderoso, nunca admitiu o mínimo esforço da sua parte para as alcançar. Tudo, na sua vida, está bem porque não poderia deixar de estar, esquecendo-se de que pior do que uma vida infeliz é uma vida insípida onde não há nenhuma alteração em perspectiva - se não dá em nada, então não dá em nada. Ponto final.
A sensação de triunfo ou de derrota tem fronteiras muito ténues. Nem sempre é possível inverter a marcha ou, se isso acontece, é quase sempre tarde de mais.
No fundo, borboletas e coleccionadores não passam de um reflexo das expectativas de uns e de outros. Mas, mais tarde ou mais cedo, a peça acaba e o pano desce.
AMS
Nós, mulheres, gostamos de histórias, ainda que sem qualquer final feliz, trágico, surpreendente. Ou talvez por isso. Histórias sensíveis e tristes, renegadas, amaldiçoadas mas sempre bem-intencionadas. Histórias que nos fazem sentir maternais, amorosas, cúmplices, de uma feminilidade esplêndida.
A última que escutei falava de borboletas, da efemeridade desses belíssimos insectos e de um coleccionador destas frágeis criaturas. Alguém que adorava o voo tonto, ingénuo das mesmas, as suas cores invocando fantasias e ilusões, a sua paradoxal necessidade de estancar a liberdade num dulcíssimo fruto e de a transformar em desilusão.
Os coleccionadores, sobretudo os que adoram borboletas, comportam-se sempre do mesmo modo com todas elas: observam-nas, cortejam-nas, seduzem-nas com promessas de eterna devoção, carinho, desvelo, e quando as pobrezitas se dão conta estão preciosamente, amorosamente "alfinetadas" num qualquer catálogo de exposição.
Enfim, o velho jogo de procura e encantamento, encontro e esquecimento. Prosaico? Certamente. É necessário, porém, perceber que o que faz correr o coleccionador é a ânsia de encontrar a borboleta única, aquela que satisfaça o seu sonho, o seu capricho sempre mais exigente, sempre impossível. Tal borboleta não existe, claro. Não passa de um pretexto, de uma justificação que se pretende racionalmente exacta. Na realidade, o que ele procura – mas se nega a aceitar – não é senão o desejo de um recomeço, de uma outra vida que lhe proporcione a satisfação e a felicidade que nunca encontrou porque, todo-poderoso, nunca admitiu o mínimo esforço da sua parte para as alcançar. Tudo, na sua vida, está bem porque não poderia deixar de estar, esquecendo-se de que pior do que uma vida infeliz é uma vida insípida onde não há nenhuma alteração em perspectiva - se não dá em nada, então não dá em nada. Ponto final.
A sensação de triunfo ou de derrota tem fronteiras muito ténues. Nem sempre é possível inverter a marcha ou, se isso acontece, é quase sempre tarde de mais.
No fundo, borboletas e coleccionadores não passam de um reflexo das expectativas de uns e de outros. Mas, mais tarde ou mais cedo, a peça acaba e o pano desce.
AMS