A Morte
Por mais que tentasse, não conseguia dormir. O silêncio pesava e os ruídos mais ténues transfiguravam-se, agigantavam-se de uma forma tão precisa, que não havia no seu cérebro espaço livre para uma fuga.Queria libertar-se daquele quarto, daquele edifício, daquelas noites imensas que, a qualquer momento, dariam, triunfalmente, xeque-mate à vida. Queria apagar aquela terrível sensação a percutir-lhe no cérebro - a morte passeava-se nos corredores, nos gemidos a que não conseguia atribuir um nome, no sussurro de vozes que tentava decifrar e que delineavam uma fronteira irreversível, um mundo paralelo. Preenchido de sombras, incógnitas e, paradoxalmente, de certezas.
Talvez o medo da noite, atendendo às circunstância, se justificasse. Mas não conseguia evitar aquele bailado negro de ideias, a absurda vontade de pedir que a resgatassem daquele pesadelo. O silêncio, ali, só podia ser portador de más notícias e de um tempo e espaço irrespondíveis.
Tentava a todo o custo alhear-se do que pressentia estar a passar-se no quarto ao lado. Mas como assumir uma atitude displicente perante a morte? Como ficar indiferente à sua presença? Sabia-se perto dela, imaginando-lhe o rosto de mármore e cera. Entendia, pela primeira vez, a gratuidade e a pequenez do existir. Não sabia o que a assustava mais: se a evidência da morte ou a do silêncio que a anunciava.
Manteve-se imóvel, atenta. Os gemidos eram entrecortados por uma respiração arfante, quase a desistir, mas ainda lutando - pareceu-lhe. Sentiu, de repente, as vozes esfumarem-se. Passos apressados. Os gemidos aquietarem-se. O silêncio definitivo. Era já alguém a entrar no mundo dos ausentes - percebeu, atingida pelo pavor do irremediável.
Rígida, concentrada naquele tempo sem tempo, pensou – Vai-te embora. Deixa-nos viver. Eu quero viver.
O chiar gélido - escarninho - das rodas de uma maca que saía do outro quarto foi a única resposta que obteve.
AMS