domingo, outubro 08, 2006

imprevisivel (MENTE)

Depois... telefono-te!
Entre o cepticismo, a ingenuidade e a vontade de acreditar - ela abana, afirmativamente, a cabeça.
Sabia que ele não telefonaria. Mas adormeceria, todas as noites, esperando ouvir a sua voz.
Quantas vezes repetia a velha cassete: hei-de modificar-me; hei-de superar as minhas indecisões e erros; hei-de esquecer este amor.
Detestava-se quando assim pensava. Porque pensava de mais, pensava sem querer, pensava no maldito telefonema que nunca aconteceria. Sabia, porém, que tudo aquilo não passava de mera cantilena. Apercebia-se, perfeitamente, das suas contradições.
Ora, o irremediável não tem remédio - desabafava, em tom sarcástico. Mais amargurado do que sarcástico.
Depois... telefono-te!
Devia detestá-lo, também. Por que motivo aceitava, passivamente, tanta mentira? A mediocridade balofa com que ele seduzia as pobres tontas como ela? A certeza de que ele não prestava?
Hesitava, sempre. Masoquismo puro. E a cabeça quase que estourava de tanto se negar a olhar para o traiçoeiro telefone.
Para que prolongar a memória do nada? Onde tinham ficado os seus anseios, os seus sonhos? Provavelmente, presos a um toque de telefone que nunca soaria. Porque dói o amor? Porque se sente - dizem. Tretas. Tudo não passa de mera presunção do amor. Gosta de magoar. Até nos ouvir gritar - basta!
Basta! Não é tarde, não!
Pega no casaco e na bolsa e decide viver. Sem disfarce. Sem memórias. Sem aquela memória em particular. Abre a porta, decidida. Subitamente, o toque do telefone faz-se ouvir. Insistente. Sedutor. Persuasivo.
Hesita. Dá uma gargalhada e pensa: as pessoas são muito estranhas, a começar por mim. E fecha, inexoravelmente, a porta atrás de si, enquanto diz, já na rua, deixando alguns transeuntes espantados - Depois... telefono-te!

AMS