Uma história de encantar
"Ouve", com muita atenção, a história que vou contar."Era uma vez...." - claro, as histórias começam sempre assim, mas escuta até ao fim, porque a beleza desta história está na simplicidade daquilo que narra, embora, em abono da verdade, ela não seja aconselhável a intelectuais em férias. "Ouve", pois.
Era uma vez um coração magoado, um sorriso apagado e umas mãos cerradas. Diz-se, alguém ouviu, porventura, que o tal coração, em certas alturas, sufocado pela indiferença gélida de um céu sem cor, vazio, e pelo curso trágico da vida, pedia, num sopro de voz, que lhe doassem uma centelha de ternura. Porém, ninguém se acercava dele, ninguém escutava o seu apelo. E o sorriso continuava apagado, as mãos cada vez mais vazias de afecto, entrega. Talvez, por isso, se cerrassem cada vez mais como que suspeitando que ninguém lhes tocaria, docemente, e, num gesto singelo de amor, as libertaria das cadeias que as prendiam, retirando-as dos destroços que lhes rasgavam a carne.
Ora, num cantinho invisível a olhos que não sabem ver, vivia um outro coração, sempre iluminado pela luz do perdão, da rara flor da compreensão, da amizade solidária e do amor. Um coração de obstinada ternura que, vendo aquelas mãos desoladamente fechadas, abandonadas ao frio e indiferença dos homens, num impulso incontido, resolveu levar-lhes um pouco do seu brilho, do seu calor e, na sua teimosia constante, como quem acredita em milagres, dar vida ao coração moribundo.
E a história desliza no encanto de quem sabe ouvir, de quem sabe perceber. E continua. Sim, é certo o que dizes. Como fazer renascer a chama que se apagou? Mas continuemos...
O nosso herói, o tal coração iluminado pela crença de que são os nossos actos que dão sentido ao mundo, não precisou de lutar com gigantes e, muito menos, trespassar a couraça de dragões. Bastou-lhe aproximar-se do outro, tocar, levemente, como uma carícia envergonhada, naquelas mãos crispadas, abrir depois os braços e, persuasivamente, dizer:
- Confia em mim... confia em mim... confia...
Tanto bastou para que uma chama pequenina, ao princípio, se acendesse no coração doente de esperança, o tingisse, novamente, de uma cor rosácea - que, de momento a momento, se tornava mais viva, mais vermelha - e o fizesse bater, primeiro, num som quase imperceptível, depois, cada vez mais forte, mais confiante.
Não, a história não acaba aqui. De qualquer modo, o resto já não interessa. O que aconteceu aos dois corações? Não recordo. Provavelmente, cada um seguiu o seu destino. Não é indispensável, numa história de tal singeleza, que as suas personagens não se afastem nunca mais umas das outras. Se bem que, nesta narrativa, as coisas são mais complicadas. Repara, falamos de corações, não é verdade? Que se fundiram, ainda que por breves segundos, nas lágrimas e no calor um do outro. Quer-me parecer, meu inquieto leitor, que as histórias, quando narram o pulsar de corações que tentam escapar às suas dúvidas, medos e contradições, têm sempre um final previsível. Qual? Então ainda não aprendeste que os corações que partilharam a mesma dor, a mesma chama, a mesma paixão, ainda que afastados, mesmo que nunca mais se voltem a encontrar, guardam sempre dentro de si a recordação mais bela que pode haver?! A única que, ao ser vivida uma vez, fica, eternamente, gravada na infinita plenitude da verdade íntima que nada nem ninguém poderá apagar. Não adivinhas qual seja essa dádiva maravilhosa? Vá... faz um pequenino esforço... sente o teu coração. Estás a ouvi-lo? Que diz ele? Sim, é isso… Tenho a certeza de que ele te fez sentir que sempre que um coração mostra a outros uma razão de viver, um caminho, uma transparência que seja, poderão até nunca mais se ver, nunca mais se encontrar, mas guardarão a memória dessa partilha, do verdadeiro sentido da palavra amor... para todo o sempre.
Quem me contou esta história? Não sei bem... São, talvez, as histórias que se contam a si próprias. A partir do nada. Histórias que se vivem e que nunca morrem.
Consegues sentir o meu coração? Eu sinto o teu!
AMS