domingo, abril 29, 2007

Tudo tão perto da infinita ignorância

Ficou imóvel e perplexa. Retinha, ainda, uma impressão de incredulidade e desconforto.
Os últimos acontecimentos ligados a certos movimentos nacionalistas eram, por si só, motivo para que qualquer notícia associada à extrema-direita captasse a sua atenção. Contrariamente à opinião do Ministro da Administração Interna, acreditava que essas manifestações - ainda que em pequeníssima escala - requeriam atenção e a devida cautela. As simpatias que estes grupos começavam a gerar nos mais novos faziam sempre recear um saudosismo mórbido e equívocos alienados. Hoje como ontem, era preciso incutir nos jovens - cheios de dúvidas - uma visão nítida e esclarecida da vida. Bastava de olhos embasbacados que não viam o que realmente urgia ver.
Assim - e retomando o fio condutor do pensamento - quando ouvira falar numa manifestação, em Santa Comba Dão, a fim de homenagear o nascimento de Oliveira Salazar, colou, de imediato, os olhos no écran da televisão.
Apesar de todo o desencanto, apesar daquela sensação amarga de que algo, em cada dia, morria dentro das pessoas, ainda tinha como lema certos valores e princípios incutidos pelo pai. A opressão, o obscurantismo, a cegueira e violência, onde quer que se alojem, devem ser sempre combatidos. Num estado democrático, cada um é livre de manifestar as suas ideologias. A diferença deve ser respeitada. Seria assim. Deveria ser assim. Mas a verdade é que aquele tipo de iniciativas não dava lugar ao mínimo de confiança. Não quer isto dizer que fosse apologista de uma hipocrisia platónica do politicamente correcto. Muito pelo contrário. Contudo, ao observar aquelas pessoas, não podia deixar de questionar-se - a liberdade também pode ser isto?!
Compreendia as palavras dos mais velhos. Decepcionados, sem ninguém que os entendesse e apoiasse viravam-se para o passado. Era ainda nele que viviam. Que levaria, porém, os mais novos a procurar uma resposta no caos, na repressão e nas verdades bifurcadas?! Que levaria alguns a delinear a vida em função de ícones plasticinados?!
O boné preto, uma postura rígida, quase militar, um tom declamado e apelativo, enfim, tudo conduzira a uma não associação do dirigente que discursava ao amigo e colega de há muito. De repente, identificou-o. A memória, às vezes, é ateada pelo inesperado. O olhar e a surpresa detiveram-se numa "rosto" que não conhecia, conhecendo bem.
Na verdade, mais do que a incrível descoberta, perturbava-a a ideia de que, efectivamente, somos possuidores de uma arrogância imperdoável ao pensarmos que conhecemos toda a luz e toda a sombra do outro.
O ser humano é, realmente, muito leve. Muito leve e, simultaneamente, demasiado compacto.

AMS