domingo, outubro 15, 2006

"Caminhar até mim é ir até onde?" - Paulo José Miranda

Sabe a verdade. Nega-se a aceitá-la. Mas sabe-a. Ou pressente-a. A vida é um jogo. Quem vai magoar quem? O mais forte? O mais inteligente? Talvez o que tenha menos escrúpulos… Não interessa a resposta. Já não interessa. Nem sequer há dramatismo. Nada a dizer, a realidade basta-se a si mesma. A vida e o seu angustiante jogo de encenações! Como acreditar no que não se crê? Há fugas impossíveis, sobretudo quando nos recusamos a saltar na hora exacta. Quando nos fechamos na nossa fortaleza de medos. Mas a quem contar que o coração, desnudo da paixão que o sustentava, cansado, perdido, ficou-se pelo caminho das viagens eternamente adiadas? Que a alma, mergulhada em nevoeiro e vento fustigante, se verga em todos os sentidos? A quem contar que o nosso mundo, alicerçado em nostalgias e lembranças, nos trai - traindo-se - constantemente? Um mundo ofuscado de nadas. Cego pelo inatingível.
Fraqueza? Mas a fraqueza é inata – defende-se. Sempre a velha desculpa. Por isso vive atolada em incertezas, dúvidas e na velha promessa que começa sempre por – Um dia…
Brinca com o seu sorriso. É curioso como ainda consegue sorrir. De que adiantaria gritar? Depois do grito, viria, novamente, o silêncio. E, no fundo, ela sabe que as coisas e as pessoas acabam por se desvanecer. A vida aparta-nos. Ou seremos nós que a desabitamos? Nada se repete. O que somos hoje… é amanhã a lembrança de ter sido. Queria poder olhar o mundo com a mesma audácia, o mesmo desafio de ontem. Contudo, debate-se apenas com o desejo de prolongar o improlongável. Com a fragilidade das palavras que nunca chega a dizer. Com o pudor dos gestos que acaba sempre por reprimir. Com as lágrimas que bailam nos olhos, mas que, obstinadamente, tenta esconder.
Não é o orgulho que a impede de se aproximar dos outros. É o estar convencida de não merecer aquilo que lhe pudessem dar. É o olhar para as estrelas, desejar agarrá-las e sentir os pés colados ao chão. E os pontinhos luminosos cada dia mais distantes... Tão impossíveis a um sonho já inábil para atear a chama de que era portador.
Espanta a lágrima que ensaia soltar-se. Desculpa-se. Perante os outros. Perante a vida. Ela é vulgar, por isso se desculpa, se justifica. E vai fingindo que é feliz, aprendendo a morrer todos os dias.

AMS