terça-feira, março 06, 2007

E nunca mais darei ao tempo a minha vida... - Sophia de Mello Breyner

Cada dia que chega é uma ilusão e uma promessa. E é essa a força motriz que nos faz viver, que nos faz subir a escada toda, degrau a degrau, até ao cimo, sem olhar para baixo, apenas para desfrutar a vertigem da liberdade plena, o êxtase da comunhão - homem, universo.
O nosso mal - o meu e o de todos - é não sabermos olhar para a vida, captá-la, sentir o seu respirar, entregarmo-nos em completa nudez, bebendo todas as pequeninas partículas que amparam o enigma da nossa fragilidade. Pobres de nós. Quase sempre disfarçados de deuses - sempre tão exigentes - caminhando, passo a passso, para o cativeiro indistinto dos escravos. Tão tortuosamente iludidos com a (in)certeza de um tempo (im)prolongável. (Ir)repetível. (Ir)recuperável.
Cada novo dia que nos é lícito viver espraia horizontes para além dos horizontes. Mas não podemos ter pressas se queremos chegar ao justo lugar que nos foi destinado. Tudo é leve, tudo flui pelo espaço que nos submerge. Apenas o homem é poeira repetida.
Estamos aqui porque somos ou somos porque aqui estamos? Talvez nem sequer interesse a resposta. Talvez o importante seja, afinal, ir direito ao coração da vida, sabendo, humildemente, que não se chega lá.

AMS