Carta Aberta ao Primeiro-Ministro ( ou como as "antiguidades" continuam actuais)
Porto, 5 de Junho de 2005Excelentíssimo Senhor Primeiro-Ministro,
Devo adverti-lo de que não sou sua fã. Fui daquelas eleitoras que, na véspera das eleições, pensou: entre dois males, escolho o menor. Não gostei, confesso, que tivesse ganho com tão expressiva maioria de votos. Receio as maiorias. A experiência e a História já me ensinaram que a democracia é uma coisa muito democrática - o pleonasmo é propositado - mas que depende da relatividade das circunstâncias, e que as minorias - como o mexilhão - acabam sempre por ser esmagadas. Ainda pensei escrever "lixadas", mas contive-me. E até acho que nem devia. Desde que ouvi o Dr. Alberto João Jardim, perante um país inteiro, apelidar de “filhos da pu…” - há que dar estilo às verdades - os bastardos - cito - que anunciaram, publicamente, a sua condição de reformado da função pública ( 62 anos de idade) a acumular com o exercício do cargo para que foi eleito, já estou por tudo, confesso. Assim, se algum dos meus alunos se lembrar de escrever ou proferir, nas aulas, tão vernácula expressão, suponho que serei obrigada a ver o caso da seguinte forma - cultura geral! Mudam-se os tempos…
Já agora, Sr. Engenheiro Sócrates, e continuando no tema ambíguo das reformas, queria deixar expressa a minha “solidariedade” a dois membros do seu governo. Claro, o Ministro das Finanças, Campos e Cunha - o tal que não abdica de nada, porque o direito à reforma é sagrado - e o Ministro das Obras Públicas, Mário Lino, que acumula duas reformas com o salário de membro do governo. O chamado 3 em 1. É de homens assim que o país precisa. Homens de ética e de moral… duvidosa - atenta no que digo, não repitas o que faço.
No período grave que o país atravessa - devo dizer-lhe que ainda me custa a engolir essa treta de que os senhores desconheciam o real estado do país - seria bom que não só os portugueses, a chamada arraia-miúda, tivessem consciência de que é preciso apertar o cinto para reequilibrar as contas que, desculpe a ignorância, ainda não percebi quem desequilibrou. A culpa, neste país, morre, habitualmente, solteira, coitada… Seria bom, Engº Sócrates, que o seu governo tivesse a coragem de deixar de proteger lobbies, jogos politiqueiros e outras artes e acrobacias que tais. Receio que não o faça. Temo que o velho lema de que todos somos iguais, mas que há uns mais iguais do que outros… já tenha virado dogma.
Senhor Primeiro-Ministro - e agora vou mesmo ao cerne da questão - gostaria que lesse com sentido de humor, mas atentamente, o que me vai na alma. Sou uma das portuguesas que já está a contribuir para o seu Programa de Estabilidade e Crescimento (?); pertenço ao número dos heróis/heróinas que mudaria de escalão e que, a bem da tal estabilidade e crescimento, fico a ver a minha progressão na carreira congelada. Isto, Senhor Primeiro-Ministro, depois de ter frequentado as ditas acções que permitiriam obter os tais créditos que, supostamente, fariam com que me aproximasse um pouco mais do topo. É caso para dizer - e tudo este governo levou! Não me queixo. Ou antes, queixo-me, mas aceito. Agora o que me custa a engolir, aquilo que me tem tirado o sono e o apetite é o facto da idade da reforma ir mudar para os 65 anos. V. Exª tem consciência do que vai desencadear com essa medida? Não creio. Vamos viajar até ao futuro? Que vê, Sr. Engº? Se não sofre de miopia, deve ver o mesmo que eu estou a ver: escolas que mais parecem lares da terceira idade; professores de bengala, decrépitos, esclerosados, deprimidos, a serem levados, até às salas de aula, por funcionários não menos fossilizados. Eu sei que as relíquias são valiosas, mas não acha que essa medida é caso para estudo mais aprofundado? Os nossos alunos precisam de gente nova, vitalidade, ideias ousadas, inovadoras, genica, precisam, sobretudo, de não ter medo do futuro. Se alguns desses jovens, por pura loucura, quiser seguir a carreira docente, quando - de preferência diga-me em que século - poderão ver as portas do ensino abrir-se-lhes? Acredite, as escolas vão passar a ser uma agência funerária. As aulas - se o não são já em alguns casos - um autêntico velório. Pobres professores. Pobres alunos. Pobres portugueses.
Imagine esta cena, Sr. Engº, digna de um filme de ficção ou terror: uma professora entra na sala, depois de se ter enganado quatro vezes no andar e na turma, senta-se, demora 15 minutos a recordar o que está ali a fazer, abre o livro de ponto, pára, porque, no entretanto, teve um ataque de reumático, hesita, e acaba por dizer:
- Mariana, filha, vai tu ao quadro escrever o sumário, porque não consigo mexer a mão. Maldito reumatismo.
Gargalhada geral. Um espertalhão levanta-se e diz:
- Prof., está a apontar para mim? Não sou a Mariana. Sou o Ricardo.
E a professora pensa:
- Malditas cataratas. Preciso mesmo de ser operada. O pior é que sou a 6044 na lista de espera...
Sabe que mais, Senhor Primeiro-Ministro, se não fosse pelo respeito que os colegas e leitores me merecem, apetecia-me pegar nas eruditas palavras do Dr. Alberto João Jardim e escrever - Bastardos! Filhos da… santa e (ir)responsável ignorância. Mas não escrevo. Só penso.
Senhor, dá-nos paciência, porque eles não sabem o que fazem. Ou sabem?!
Muito atentamente,
AMS