segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Aquele Amor

Para cada um a mesma história? Não, a história dela era diferente. Sorte? Destino? Para o caso tanto dava. Aquele anúncio, no jornal, fizera com que acreditasse em algo, em alguém - "Cavalheiro, eternamente jovem, culto, educado, procura senhora da mesma faixa etária, boa formação, meiga, culta, que saiba apreciar a beleza da vida, a liberdade de ser e de estar, que acredite existir sempre um novo começo, um fim diferente... ". Algo, dentro dela, ao ler aquelas palavras, estabelecera, de imediato, a diferença entre o que era significante e insignificante. Aquele anúncio parecia indicar-lhe um caminho, uma direcção. Respondera.
E, assim, começara uma troca de correspondência que ia, naquele dia, ter o seu ponto culminante: conhecerem-se pessoalmente. Estranhamente, não sentia qualquer receio. Ele demonstrara ser, atestando o atributo de diferente, um homem interessantíssimo, inteligente, culto, espirituoso. Ela, naquela idade em que as mulheres desejam mudar de vida para exorcisarem a velhice, ela, cheia de expectativas, estava em vias de se apaixonar.
Enquanto se dirigia ao café, onde tinham marcado encontrar-se, ia visionando o retrato que ele, subtilmente, tinha esboçado ao longo de não sei quantas cartas e conversas telefónicas. Homem experiente, idade indefinida – só agora reparara que ele nunca mencionara a sua idade concreta. Ela é que, inconscientemente, delineara que tivessem a mesma idade ou a dele fosse um pouco mais avançada - apreciador de música, literatura, cinema, enfim, um homem perfeito... ou quase. Claro que não esperava ir encontrar um Adónis, mas era-lhe suficiente acreditar que, vencendo o arguto jogo da improbabilidade, por um golpe de fortuna, encontrara alguém íntegro, correcto e não um mentiroso profissional com as litanias do costume.
Caminhava apressada e segura, enquanto repetia mentalmente: "Alto, bem constituído, vestido informalmente e - o mais importante - com um livro na mão - Aquele Amor de Yann Andréa". Eram os sinais necessários para o reconhecer. Sorriu, voltando a sentir-se uma adolescente.
Entrou no café quase deserto. Observou, atentamente, as mesas. Não, não devia ter chegado ainda. Chamou o empregado, pedindo um café para entreter o tempo e o coração.
Subitamente, uma voz agressiva captou a sua atenção. Olhou entre curiosa e desinteressada. Claro, um desses cretinos prepotentes, meia-idade - um emproado representando a comédia de homem superior - discutindo com o empregado. Uma cena demasiado vulgar, nos dias que correm. O homem gesticulava, furibundo, enquanto ia gritando: "Não te chamei, rapaz? Se pago, é para ser bem, rapidamente atendido!".
Fulano antipático - pensou. Sem dúvida, daquele tipo de pessoas cujo dia a dia está empanturrado de insignificâncias. Daquele tipo de gentinha habituada a estipular o preço dos outros através do seu horizonte egocêntrico e limitado. Pessoas que se aceitam tão mal que só lhes resta infernizar a vida dos outros para se sentirem vivas. Pessoas cujo único prazer é a adulação do seu ego mesquinho. Daquelas que até pagam aos outros para engolirem as suas patranhas e fanfarronices. Pessoas que estão habituadas a pagar sempre tudo… até a sua fastidiosa existência. Ainda bem que o seu amigo era um homem completamente diferente daquele que tinha diante de si. Detestava pessoas que utilizavam rótulos para classificar os seus semelhantes... sem se darem ao trabalho de conhecer o seu conteúdo. Não suportava que alguns - os ditos eleitos, tal o caso do homenzinho sentado à sua frente - tentassem adornar o seu pequeníssimo universo através de atitudes impregnadas de arrogância e narcisismo. Pobre homem! A idade, a experiência - até o puro instinto de sobrevivência - não tinham sido suficientes para que aprendesse que não tem sabor nenhum viver só, isolado dos outros.
A discussão continuava. A grosseria e o evidente desejo de protagonismo eram cada vez mais visíveis. Sua excelência paga, consequentemente exige. Sua excelência existe, por isso pode espezinhar quem lhe der na real gana. Sua excelên... não! Não! Não podia ser. Algo na mão nervosa e pedante do homem atraiu, dolorosamente, a sua atenção. Um livro. Não um livro qualquer... Um livro cujo título leu, incrédula - Aquele Amor de Yann Andréa! Aquele amor...

AMS