domingo, fevereiro 04, 2007

allegro ma non troppo

Isto de ser mulher, meus amigos, tem muito que se lhe diga. Não nos entendem, não reconhecem as nossas capacidades, querem-nos sempre caladas e, se possível, encerradas numa torre - vulgarmente apelidada de cozinha - qual Rapunzel predisposta a viver, eternamente, entre tachos e legumes, ensombrada pelo pressentimento de uma fatalidade inevitável - que, mais dia menos dia, o príncipe dos seus sonhos vire sapo repelente e viscoso.
Desde crianças, somos espartilhadas, voluptuosamente, por ideais conservadores e esclavagistas cujo único objectivo é a defesa dos valores femininos tradicionais, ou seja, o nosso inequívoco reconhecimento e gratidão pelo papel glorioso que nos coube em rifa - o de mães, donas de casa e esposas amantíssimas.
Querem-nos doces, amáveis, encantadoras, submissas, burras q.b., placidamente “adormecidas” sexualmente, enfim, umas perfeitas princesas encaixadas, primorosamente, na velha estória do “era uma vez…”.
No guião dessas estórias , inevitavelmente simples, linear e sem nuances, pretende-se que a heroína represente divinamente o papel de uma passiva, mansa e bela fada do lar, afastando a monotonia dos dias e a mais abjecta tristeza com a simples presença do seu senhor ou, mais frequentemente, atafulhando-se de compras e mais compras, armazenando roupas, sapatos e cosméticos como se o Apocalipse estivesse mesmo ali ao virar da esquina e ela fosse uma das poucas sobreviventes.
Por sorte, os tempos mudaram e algumas mentalidades também. As princesas , as tais heroínas românticas, começaram a acordar e, ámen, chegou a época das luzes a submergir a das trevas. A moda das odaliscas já era e a das Butterfly também. Os homens começam, finalmente, a perceber que a lei do dar anda a par com a do receber e que, em matéria de amor, se a palavra “pouco” soa mal aos seus dúbios ouvidos e ao seu sensível coração, soa igualmente mal ao coração, não menos delicado, das suas companheiras.
Ah… é escusado atacarem com o velho slogan do feminismo caduco, da igualdade enganosa, e da emancipação tipo time-sharing. Não é disso que se trata.
Todas nós, mulheres, gostamos de ouvir, de quando em vez, a canção do bandido. Mas é importante que o “bandido” saiba que nós sabemos que a tétrica litania do espírito de sacrifício feminino foi inventada por algum imbecil que, num momento de puro delírio, pensou ter prioridade na arte da desafinação, não contando, porém, com o efeito boomerang. Daí o aparecimento dos coros e seus derivados…
Seja como for, duvido que haja alguma mulher que não prefira um dueto mais ou menos afinado, misto de sortilégio, harmonia e magia, a uma ária cantada a solo por um barítono de grande volume, mas incapaz de arrebatar uma soprano de uma maneira especial… e appassionata.

AMS