quarta-feira, janeiro 24, 2007

Tragédia num só acto

Cenário: uma das pequenas praias de PortoNovo.

O ritual do costume: descer a rampa que dava acesso à praia, escolher um local a favor do sol, estender a toalha, retirar o pareo, espalhar o protector solar, dar uma vista rápida pela vizinhança, pegar num livro, ler meia dúzia de linhas e sorrir perante o habitual espectáculo - homens, mulheres e crianças passeando, lenta ou apressadamente, à beira-mar. Até ela tinha já aderido a estes passeios higiénicos, e, em idas e vindas, ao longo da pequena praia, cruzava-se, sistematicamente, com "velhos conhecidos", adeptos incondicionais deste périplo .
Enquanto observava, mais ou menos atentamente, mais ou menos curiosamente, os banhistas, pseudo-banhistas e os ditos "maratonistas", deu-se conta de que alguém assentava praça - neste caso toalha - muito perto do seu território. Uma típica família espanhola: pai, mãe e dois rapazinhos travessos habituados, certamente, a fazer o que lhes desse na real gana. O patriarca, cabelo empastado em gel, calções berrantes e curtos, barriga de quem parecia estar no final de gestação e... o famoso fio de ouro ao pescoço; a mãe, cabelo preso por uma mola transparente, impecavelmente pintada, pulseiras e anéis até dizer chega.

A tragédia ia começar.

Entre gritos, grunhidos, "quedate tranquilo", "cariño" para cá e para lá, o chefe de família resolveu ir acalmar, quiçá refrescar a cabeça, junto à beira-mar. Subitamente, ouve-se um grito aflito. Dois. Três... Não fossem os uivos, parecia que o banhista tinha iniciado os primeiros passos da dança da chuva. Os esgares que o acometiam eram terrivelmente engraçados, e ela nem sabia se devia conter o riso ou ir oferecer os seus préstimos - saciando a curiosidade - àquela vítima provável de algum tubarão mais afoito.
Enquanto o homem era levado em braços para junto do posto-socorro, seguido de uma comitiva que fazia lembrar um qualquer cerimonial fúnebre, um dos miúdos disse - " Ha sido una fanequita! ".
Ficou atónita! Uma fanequita?! E todo aquele aparato, todos aqueles ais, queixumes, caretas... por uma simples picadela de uma faneca indefesa?! Realmente, o sexo forte deixava muito a desejar no que dizia respeito a coragem e saber suportar a dor - uma dorzita - com a dignidade de um tarzan... de corrente de ouro ao pescoço.

Algumas horas mais tarde. O mesmo cenário. Tarde quente, mar calmo, os mesmos figurantes da manhã. Exceptuando, claro, o "ferido".

Ela desceu a rampa, escolheu um local a favor do sol, estendeu a toalha, retirou o pareo, espalhou o protector solar, deu uma vista rápida pela vizinhança, pegou num livro , leu meia dúzia de linhas e... desistiu. O calor era sufocante. A areia molhada, junto à água, era um chamariz aliciante. Resolveu iniciar o périplo. Uma volta, duas voltas, três voltas, um sorriso cúmplice aos seus companheiros de trajecto contrário, uma onda mais ousada que a salpicou toda e... ai! Cortei-me num vidro - pensou! Ai! Horror dos horrores, a dor era insuportável e parecia paralisar-lhe a perna toda. Queria conter as lágrimas, mas não conseguia. Deu consigo rodeada de uma multidão sedenta de sofrimento e "ópera". Os ais redobravam de altura. Um compatriota sentenciou - "Foi picada por um peixe-aranha!". Outra voz explicou - " Si, mujer, has tenido poca suerte. Has sido picada por una fanequita".
Só então ela percebeu. Mas já era tarde!

AMS