sexta-feira, janeiro 19, 2007

Obviamente... demito-me!

A revolução começou! Liberdade, Igualdade, Fraternidade? Nada disso. O lema, agora, é: Complicar, Desmotivar, Avaliar e… ECONOMIZAR!
Se, no tempo das trevas - sim, porque, presentemente, de tanto rigor, de tanta redundância, de tanta confusão passamos a ser, todos nós, uns iluminados rumo a essa vaga EXCELÊNCIA tão apregoada pelo governo - os alunos conseguiam acabar os seus estudos sem planos de apoio, sem grelhas de observação directa, sem projectos curriculares, sem estratégias de remediação feitas para remediar o impensável, ou seja, a falta de estudo, de trabalho e de motivação; se, no tempo em que éramos todos - os professores, obviamente - uma cambada de néscios, preguiçosos e incompetentes porque ainda tínhamos tempo para preparar aulas, dar atenção aos alunos e, o mais singular, conseguir ter uma vida familiar, a escola era um local de aprendizagem de saberes, competências e valores ( o conceito de escola = parque de estacionamento para as nossas crianças é relativamente recente); se, outrora, e na maior parte dos casos, uma simples chamada de atenção - chamemos-lhe sabedoria caseira - era suficiente para evitar comportamentos e atitudes menos correctos, sem necessidade de desgaste emocional, processos disciplinares graves, gabinetes do aluno, visitas ao gabinete de psicologia - reconheço, actualmente, a sorte que tive, enquanto aluna, já que um ou outro berro, uma ou outra interpelação mais “expressiva” não deixaram em mim vestígios de traumas, fobias e outros desajustes que tais relativamente à escola; enfim, se lográmos todos - alunos de outras gerações - sobreviver a um ensino/aprendizagem que requeria estudo, trabalho e responsabilidade, por que razão, interrogo-me, o insucesso escolar aumenta - ou é, ardilosamente, escamoteado - a ignorância cria raízes, a desresponsabilização prolifera e inequivocamente, os intervenientes de toda esta saga - professores e alunos - se apresentam, cada dia que passa, mais desmotivados e cansados?!
Temo que estejamos a bater no fundo. E o pior, meus amigos, é que todo este leque de erros, perdão, inovações começa a infiltrar-se, tacitamente, em alguns de nós. O bom senso começa a escapar-se das nossas escolas. O medo - não deturpemos as coisas. O medo, sim - e a tal obsessão pela EXCELÊNCIA ganham eco. Entrámos numa nova era - a do fogo-fátuo. Vejo, com apreensão, alguns colegas - seguidores fidedignos do poder - cumprirem, à risca, tudo o que a Senhora Ministra se lembra de fantasiar e os Senhores Inspectores - não menos à risca - se lembram de aconselhar/ordenar.
Comecemos pelos dossiers. Professor que se preze nunca deverá ter uma pasta sem, pelo menos, 5 kg de papelada. Tudo serve: planificações a curto, médio e longo prazo; estratégias relativas ao passado, ao presente e ao futuro dos alunos; planos de apoio - ainda que o aluno não venha a recebê-lo; estratégias a adoptar; remediações para as estratégias adoptadas; plantas, actualizadas, da sala de aulas; plantas, a actualizar, da sala de aulas; grelhas de avaliação; grelhas para avaliar as grelhas de avaliação; gráficos, muitos gráficos; actas controladas ao milímetro; actas medidas ao quilómetro.
Passemos, de seguida, às reuniões. Há de tudo e para todos os gostos. Docente a caminho da excelência deve, no mínimo, reunir todos os dias. Já os professores titulares serão obrigados, digo eu, a reunir todos os dias e... todas as noites. É justo! Um título arrasta consigo responsabilidade, obrigações e... insónias. Ainda se arrastasse tesouros...
Só falta pedirem-nos uma grelha com objectivos, conteúdos, actividades, materiais/suportes - aqui até mesmo a imaginação mais criativa, penso, terá alguma dificuldade de renovação - e calendarização sempre que um de nós necessitar de ir ao WC. Seremos uns sortudos se, na tal grelha, não constar - AVALIAÇÃO!
Perdoem-me o desabafo, mas dá mesmo vontade de perguntar - com tanta papelada, tanta reunião, tanta comissão - é sempre prova de excelência fazer, pelo menos, parte de duas - tanta tolice, tanto desconcerto, onde fica o tempo para sermos, na verdadeira acepção da palavra, professores?!
Alguém saberá, por acaso, responder a esta duvidazita de uma professora não excelente e não titular?

AMS