sábado, janeiro 06, 2007

A doçura do frágil

Entrar num hospital, onde, por vezes, Deus parece demasiado alto e ausente, é uma espécie de encontro com as linhas da vida e da morte. Tão subjectiva e ilusória a fronteira que as separa. Tão pouca a distância entre esperanças e descrenças, dúvidas e certezas. Tão frágil o fio que nos sustenta. Tão supérfluos os temores, o fogo-fátuo, a crueza do gesto, os rios de silêncio face ao que nos transcende.
Confrontei-me, ontem, ao visitá-la, com um emaranhado de dúvidas, interrogações, debilidades latentes que me confrangem e desnorteiam. Não é possível repetir o irrepetível, sei-o. Contudo, essa atitude face a uma doença que, inexoravelmente, a condena, essa serena lucidez perante o confronto - que cremos sempre antecipado - com a morte, desconcertaram-me. Confesso, com alguma amargura, que receio não ter essa íntima e plena certeza quando me confrontar com as brumas que ateiam a ausência, o esquecimento, o nada. Não possuo essa grandeza maior perante o destino que deve cumprir-me. Essa capacidade de me elevar, assumindo a minha pequenez. Essa tranquila disponibilidade para a verdade única de que somos detentores.
Seja o que Deus quiser! - disse-me, no final da visita. Vão operar-me, terça-feira, e só tenho um pedido a fazer-lhe - reze por mim!
Rezarei, Fátima.

AMS