quarta-feira, janeiro 03, 2007

A Senhora Directora

Será melhor esclarecer, a priori, que vamos entrar no reino da ficção. A personagem que vou descrever não existe (pelo menos que eu saiba) e qualquer semelhança com a realidade, bem, é isso mesmo… mera semelhança, pura coincidência.
Partindo, pois, desta premissa - a de tudo a fingir - resvalemos para o campo da descrição. Há que dar um corpo e uma alma a esta heroína, que essa treta de geometria - perdão, protagonista! - no espaço é apenas para mentes brilhantes. Estatura média, cabelo ruivo-alaranjado (por que motivo a partir dos quarenta as mulheres ficam quase todas ruivas ou louras?! ), roliça (gorda é um adjectivo pouco acolhedor), estrábica (longe de ser um defeito é algo dinâmico e enigmático) esperta (aqui merecia letras maiúsculas), inteligente q.b., narcísica, mentirosa compulsiva (ai dos desprevenidos!), simpática até dizer chega ( como é difícil distinguir simpatia e hipocrisia), enfim, quase perfeita, muito in, muito bem, muito tudo.
Adora falar dos filhos. Isso não é mau, dirão. Não, não é. O problema é conseguirmos chegar à conclusão de que está a falar deles. Quem, por mais “olho de lince” que seja, consegue identificar as personagens deste discurso? - “O senhor doutor até foi convidado para membro do governo (grande coisa, ora! Íamos sendo todos, não?!); a senhora engenheira (de minas, pois então…) obteve (?) uma bolsa para estagiar nos Estados Unidos ( pacóvia! Ela devia era ir estagiar para o Iraque!); vou emprestar-lhe o manual (diga-se sebenta ) do senhor doutor… mas tenha cuidado, contém apontamentos exclusivos (Armani? Dior? É o que apetece, de imediato, perguntar).
Não há pachorra! Nem sequer tendo como coordenadas de tempo e de espaço o reino da fantasia. Dá vontade de assassinar a senhora directora pedagógica logo no inicio do ano lectivo, quero dizer, do primeiro capítulo - relembro que tudo isto é pura ficção.
Frenética, turbulenta (tomará “red bull”?), é a personificação do próprio trabalho (ou do que a palavra significa em Portugal, é bom de ver), exceptuando os seis os sete intervalos que faz para tomar café (juntamente com a secretária/assessora. Directora que se preze tem, pelo menos, uma) e que duram, em média, cerca de vinte a trinta minutos… Sim, que isto de ser directora pedagógica tem muito que se lhe diga, requer muito perfil e , sobretudo, uma grande lata… de protecção contra línguas viperinas como a minha (mais vale prevenir, porque pode mesmo existir uma qualquer directora pedagógica igualzinha a esta e…).
Enfim, sua excelência é a imagem ideal para tentar perceber o que deve acontecer no parlamento e nos gabinetes em S. Bento. Pelo menos, daquilo que eu imagino ser o trivial nesses locais, visto que, (in)felizmente, nunca tive um desses gabinetes, sou assessora de mim mesma e, a continuar a escrever croniquetas iguais a esta, plenas de heresias, a palavra nunca é o que prevejo para o meu futuro, sem precisar de carta astral.
Ela sai, entra, abre a porta, fecha a porta, pede “linha”, empata o “povo”, sorri, sorri muito, dá uma palavra a este, sorri, interrompe, dá outra palavra àquele, interrompe, sorri, atende uma chamada, vai dando ordens no entretanto - tempo é dinheiro - faz, desfaz, diz, contradiz, sorri, sorri muito, sorri sempre, e, orgulhosamente só, pensa - sem mim, seria a derrocada, o dilúvio, o apocalipse. Adorem-me. Venerem-me. Não, não é preciso rastejar… tanto… eu sou uma pessoa muito simples, muito frugal, muito EU!
A que propósito vem todo este paleio? Sei lá… Estava a reler “A Queda de um Anjo”, deliciando-me com as aventuras de um adorável e humano Calisto Elói, morgado da Agra, e da sua “donzela” e insípida Teodora, quando, subitamente, numa ambivalência de sugestão e imaginação, me vejo projectada para a folha de papel e, sem qualquer explicação lógica, pertinente, dou comigo a escrevinhar este texto, talvez com o único objectivo de provar que se pode escrever verdade a mentir.
Peço desculpa se, por ironia fatal do destino, as minhas palavras deixaram filtrar uma qualquer mesquinha e rancorosa intenção de visar um alvo em particular. Longe disso. A culpa deve-se a esta mísera e decrépita inspiração que me leva a inventar atrocidades tais.
Deus abençoe, com longa e próspera vida, as senhoras directoras pedagógicas do nosso país e… arredores.

AMS