segunda-feira, janeiro 08, 2007

O prazer é todo meu

A escolha era simples: abrir ou não o abrir o cartão. A intuição - e a experiência - diziam-lhe que mandasse às urtigas aquelas melosas palavra, jogando pelo seguro. A curiosidade, porém, parecia que, a qualquer momento, cederia às investidas do imprevisto. Ninguém é perfeito, ora.
Voltou a reler a mensagem. Se fosse ela a escrevê-la, pensou, teria evitado o barroquismo das repetições, não recomendaria o “você”, substituiria o tom dramático por qualquer coisa de mais actual - um texto rap? - e, acima de tudo, não menosprezaria a inteligência do alvo a abater.
Mais tarde ou mais cedo, seria obrigada a decidir-se. Adorava enigmas anémicos, daqueles que precisam de um pouco de mar e de sol, mas, por outro lado, o peso da desfaçatez pesava muito. Tolerância zero, recomendava a sua intuição feminina. A vida precisa de velocidade, não de pacatas resignações ordenava-lhe a curiosidade, inscrita, certamente, numa qualquer sociedade recreativa. Venceu a intuição.
Num cantinho do seu coração - um tanto murcho - sentia a amarga decepção da renúncia. Não abrir a “carta” era um tormento intolerável para o seu ego. Um buraco demasiado estreito para o seu tédio cósmico. Mas, pensando bem, as grandes comédias também nascem assim - com uma grande e sofrida dor artística.
Ou comigo ou contra mim, recitou - em jeito de salmo fúnebre - enquanto o rato se dirigia, pesarosamente, rumo a “excluir”.
Já não há apaixonados como os de antigamente: lira debaixo do braço e voz de querubim envenenado com raticida.

AMS