domingo, outubro 08, 2006

uma chatice

Dá-me um grande prazer ver as palavras escritas no branco do papel. Mas, hoje, não senti nenhuma urgência em escrever, apenas a curiosidade em saber o que brotaria de um texto ainda por criar. E um facto incontestável é que, realmente, nada tenho de importante a dizer. De que adianta tentar reconstruir o sentido incompreensível do mundo na nossa cabeça? A cada um o seu destino, o seu segredo, o seu tempo. A cada um os seus sonhos, as suas fantasias, os seus subterrâneos...
O que procuro, afinal? Absolvição? Sossego? E se eu disser que não procuro nada, que estou simplesmente à espera?! De quê? De agarrar o momento - aquele momento - para depois, paradoxalmente, o deixar desvanecer-se. Sim, já sei, não há uma lógica coerente nas minhas ideias. O meu fio condutor? Aceitar as contradições, obrigar, talvez, o real a revelar-se, nem que seja à custa de muita contradição, de um certo sofrimento ou de muita luta. Mas onde me levará tudo isto? Não sei. Sinceramente... não sei. Escrever, no meu caso, não me dá respostas; apresenta-me questões; origina cumplicidade com as palavras que, sem guia, me levam pela mão. O êxtase ou o tédio que a escrita possa proporcionar não tem muito a ver com ideias - que até podem ser comuns, vulgares - tem a ver com uma espécie de sintonia e entrega ao vazio sereno, libertador, uma espécie de universo mais ou menos impenetrável, mas legítimo.
Esta eterna mania de divagar, de não delinear uma meta precisa... Mas eu adoro a anarquia, o marasmo lúcido das palavras de intenções aladas.
E há tanta coisa a obrigar-nos a dizer ou a não dizer. Com ou sem objectivos casuais. Porque algo nos apoquenta a alma. Porque nos apetece chatear a paciência de um possível leitor. Porque, por vezes, as palavras são tão solitárias como nós.
Podemos falar, por exemplo, da (im)postura dos nossos governantes. Da arrogância de certos políticos - todos, coitadinhos, uns escravos do dever! Da fome que conquista cada vez mais território, deixando cadáveres e mortos-vivos por todo o planeta - e que tanto lamentamos, quando nos atrevemos a perder tempo a ver as imagens que passam nos noticiáros, enquanto saboreamos, deliciados, um gelado ou outra qualquer iguaria... mais ou menos frugal . Da desumanização e cinismo das grandes potências. Dos grandes interesses que comandam e fazem girar, maquiavelicamente, o mundo. A lista poderia continuar indefinidamente... Senão vejamos: poderia dissertar sobre a razão que me leva a tentar impingir(-vos) esta conversa de treta; poderia atrever-me a aprofundar assuntos "mais" filosóficos do género: o que é, afinal, um famoso, em Portugal?; ou, simplesmente, divagar sobre a razão que levou a minha tia Inácia a deixar-me no seu testamento um cão feroz e pouco dado a estabelecer novas amizades, revertendo o "resto" dos bens à Santa Madre Igreja.
Já experimentaram escrever à deriva? É a glória! Uma sensação exultante, uma afirmação frontal da nossa vontade que foge - e aí é que está o gozo - aos cânones rígidos da norma. Detesto temas embrulhados em ar condicionado que tentam seduzir-nos com mistérios e milagres untados pela mais balsâmica banha-de-cobra - a da falta de originalidade.
Sei que alguns rirão da "ingenuidade" - ou presunção - das minhas ideias. Mas nada alterará a não trajectória dos meus pseudo pensamentos. Aprendi a ler no alfabeto indecifrado do que me rodeia e a desconhecer-me um pouco melhor na infinita extensão da alma e da bruma que a envolve.
E aqui estou eu, desenvolvendo teorias, terrivelmente enfadonhas, que não interessam a ninguém, muito menos a um hipotético leitor/a. Uma chatice! - dirão vocês. Uma chatice! - digo eu.

AMS