nem disto nem daquilo
Eugénio de Andrade disse um dia: "Às vezes sinto-me tão desesperado que me sento a escrever como quem chora."Não sou uma super-mulher. Não tenho luzes decorativas a iluminar o meu percurso. Nunca fui, seguramente, um perigo público para ninguém, visto não possuir nenhum dote especial que me saliente do comum dos mortais. Quando estou infeliz, não consigo mascarar-me de fénix renascida. Quando consigo perceber que a bondade tem mais aceitação do que o cinismo, que ninguém passa sem deixar rasto - por mais pequenino que seja - que somos sempre o centro da vida de alguém, que os patinhos feios, afinal, podem virar cisnes, enfim, quando me dou conta de que os que me amam me amariam de todas as formas, mesmo que eu não tivesse acertado uma que fosse – sou feliz.
A minha parte narcisista faz-me cometer erros. Demasiados. Muitas vezes não sei se o que me basta… me basta. E a vida desenha-se num cansaço - “nem disto nem daquilo”. Cinzento. Confuso. Alicerçado em fragilidades. Na não aceitação de ser quem sou. Passando mais tempo a proteger-me do que a aproveitar-me.
Por cobardia, quantos momentos felizes desperdiçados só por pensar no que os outros iriam (poderiam) dizer?! Quantas vezes deixei de ser espontânea, verdadeira... com medo de parecer ridícula?! Quantas histórias de fadas deixei de inventar - de contar-me - demitindo-me do meu direito ao sonho?! Penso que, às vezes, sou como um barco à deriva. Aliviando dores com paliativos que uniformizam a luz da vida num halo de névoa. Com olhares para fora de mim, receando olhar-me para dentro. Esquecendo que é pela minha relação comigo que passam os outros. Que ultrapasso barreiras. Que me ultrapasso.
Contudo, nesta revisitação dos sentires que me identificam, acariciando nostalgias e desconfortos que os povoam, sei que a única pessoa que pode “ligar a luz”, afastando uma escuridão, aparentemente, terrífica, sou eu. Porque, como diz Christian Bobin - "Há um tempo em que o dia acaba, e ainda não é noite... É só a esta hora que se pode começar a olhar as coisas, ou a vida. Acontece que precisamos de um pouco de escuridão para ver bem, sendo nós próprios compostos por claridade e por escuridão."
Claro que, frequentemente, imersos na convicção da nossa superioridade e da nossa perfeição, a vida nunca é aquilo que queremos. Que achamos merecer. E, subitamente, sem qualquer motivo dramaticamente grave, damos connosco a pensar – Por que é que está tudo mal? E, estupidamente, numa tensão constante, vamos perdendo “bocados” que nos fazem falta. E, em alternativas contínuas de avanços e recuos, esperando que um milagre nos traga o que nós próprios mutilámos, vamos justificando o nosso distanciamento da tal parcela de felicidade a que todos sentimos ter direito, com a superficialidade de eloquências baratas, fáceis. Em caminhadas encharcadas de egotismo. Azedume de palavras e actos. Vaidades comezinhas. Ilusões que vamos debitando aos outros como se fossem eles os culpados do nosso mundo estar virado do avesso. Mentiras tão toscamente antiderrapantes que, de tão bizarras, chegam a ter graça.
E se tentássemos viver de bem com o que temos? E se déssemos menos valor ao significante das coisas e mais valor ao significado dos gestos? Sim, nem sempre será possível caminhar neste rumo à perfeição. Umas vezes conseguiremos. Outras não. No fundo, talvez tudo passe por uma questão de prioridades. Cedências. Humildade. Nada impede que o meu caminho possa ser também o caminho dos outros. E vice-versa. Deste modo, penso, a felicidade será muito mais “barata” do que aquilo que imaginávamos. Muito mais acessível. E o seu canto deixará de estar trancado numa qualquer gaveta da nossa alma. Passará a habitá-la. A habitar-nos. Se não permanentemente, pelo menos sem silêncios duros como pedras. Sem desilusões que acordam revoltas. Raivas. Sonhos encalhados em lágrimas. Palavras cortadas ao meio.
Porque, independentemente da nossa vontade, independentemente de crermos, piamente, que o sol gira à nossa volta, o Inverno acaba sempre por dar lugar à Primavera.
AMS