sábado, abril 08, 2006

Pena e Alento

Restas-me tu. Mas no tacto das coisas não te encontro. E procuro-te num tempo feito de mil tempos. E vejo o teu reflexo no côvado da minha mão. E espero, em todas as alvoradas, os teus olhos escorrendo o antes e o depois. O sopro da paixão subitamente aceso. Inesperadamente denso de expectativa. E vou sempre desaguar a ti.

O que nos leva a folhear a fragilidade da eternidade? O que nos leva a fechar o círculo, seguindo as coordenadas que o coração indica, afrontando, definitivamente, o destino que perseguimos? Talvez, assumindo a fragilidade que nos habita, o receio de abrir os olhos e nada ver…

Não sei quanto me resta de viagem. Não sei quando o cansaço, preenchido por uma força irreprimível de chegar, me apagará os contornos. Mas não quero chegar ao fim da minha rota sem encarar todas e cada uma das minhas penas. Todos e cada um dos meus alentos. E tu és pena e alento. Silêncio e grito. Demasiadamente luz. Demasiadamente sombra.

Restas-me tu. Ainda que no território da palavra. Ainda que no espaço invisível das nostalgias. Ainda que na irredutível certeza de saber que jamais aportarei aonde a saudade e o desejo conduzem os meus passos.

Ajuda-me a lançar a âncora no interior do destino que devia cumprir-nos. Transforma a minha pena e o meu alento em suave abraço. Oculta-te na sombra. Condensa-te na água. Adensa-te na bruma. Dissolve-te nas ondas. Mas não me deixes partir sem te ouvir dizer – restas-me tu!


AMS