segunda-feira, abril 17, 2006

Verde de esperança. Vermelho de paixão.

Embrulhada nesta manta vastíssima de patriotismo verde e vermelho - o mundial está perto - dou por mim a olhar, embevecida, para a bandeira do meu país e a sentir um orgulho imenso em ser portuguesa (pelo menos até não experimentar o sabor amargo da derrota e da desilusão). Não que fosse partidária do slogan - o que é estrangeiro é que é bom. Não compre produtos nacionais! Longe disso. Mas esta (até agora) passividade de carneiros, este deixar andar... que amanhã logo se vê, este não te rales... que até podia ser bem pior, este conformismo... como se tivéssemos sido condenados a arrastar, eternamente, pesada cruz, este fatalismo hereditário com que somos fadados à nascença, tudo isto faz de nós um povo cinzento, cinzentinho, cinzentão. E revoltados. E sofridos. E irritantemente submissos. E descoradamente humilhados. E pacientemente ofendidos. Mas sem genica, sem resposta, sempre à espera de mais uma visita da Senhora de Fátima, de um milagre, desses que são apenas para uso doméstico. Melhor entrar no reino do maravilhoso - pensam alguns temerosos - do que levar um abanão que faça o país tremer de uma ponta a outra. Será? Eu, pelo sim pelo não, sou apologista do tal abanão que nos faça retornar às origens e que nos retire este fatal estatuto de bonzinhos, mas de uma inércia tão doentia, tão contagiosa, que fará, mais dia menos dia, levantar da tumba a padeira de Aljubarrota.
Messiânica? Defensora do mito sebastianista? Não tenciono seguir os passos do Bandarra, acreditem. Mas este entorpecimento, este jazer adormecidos, esta vontade de ir - mas sempre ficando - começa a parecer-me irreversível.
Porém, o ser humano é deliciosamente imprevisível, loucamente mutante. Assim, basta ouvir os jogadores da selecção e o seu treinador para, de imediato, ter vontade de gritar - sou portuguesa! Vivo neste jardim à beira-mar plantado e, embora torcendo o nariz à mediocridade balofa de certos homens da política, à mentalidade tacanha - as revistas de coração chamam-lhe "in" - de alguns (muitos) senhorecos e senhorecas, assumo, de viva voz, o meu estatuto de portuguesa, não orgulhosamente só, mas orgulhosamente convencida de que, para que a obra nasça, é preciso muito mais do que acampar nas fronteiras voluptuosas do sonho, do imaginário, do faz-de-conta. É preciso querer, suar, lutar, não desanimar, insistir, investir e, sobretudo, é preciso que nos assumamos como uma vontade colectiva.
Assim nascem os heróis. Assim nascem os mitos. A verde e a vermelho. Verde de esperança. Vermelho de paixão. A paixão com que devemos impregnar tudo o que fazemos, ainda que seja a assistir, nervosos mas confiantes, a um simples jogo de futebol.
Estamos na era dos novos heróis. Não somente porque marcam golos e nos fazem acreditar em vitória - e como a palavra soa bem a quem se habituou a andar de olhos no chão - mas, essencialmente, porque são capazes de dar um novo alento a todo um povo viciado, há tanto tempo, em ver o vento calar as desgraças...
Isto não pode nem deve, contudo, fazer-nos esquecer os outros, os não menos heróis, os que lutam desesperada, estoicamente contra a incompetência e as falhas a vários níveis - saúde, educação, justiça... A lista é demasiado longa, e a tarefa destes heróis anónimos é árdua e, quase sempre, inglória.
Desejo, ardentemente, que estes heróis - os tais filhos de um deus menor - não baixem os braços. Não desistam. Não calem a desgraça do vento que passa. Pelo contrário. É tempo de gritarem bem alto - a quem de direito - que as desgraças, frequentemente, têm a sua origem na incompetência dos que se julgam deuses maiores.
Sejamos todos portugueses - aqui e agora - mas de cabeça erguida, unidas as mãos, sabendo escrever a nossa história, o nosso futuro, as nossas vidas... a verde e a vermelho. Verde de esperança! Vermelho de paixão!


AMS