quinta-feira, maio 25, 2006

Um poema

Queria escrever o mais belo poema de amor.
Um poema que não falasse do eu, do tu,
mas dos laços que ligam o eu e o tu.
Um poema que traçasse a percepção
de que só o amor cabe no ocaso sem limites,
um amor imenso, infinito, soberano,
um amor que, na sua vertigem, alastrasse
para além do real, devorado pela pressa de crescer
mais, sempre mais, dentro de nós.
Um amor feito de desejo violento e de densas
clareiras de ternura.
Um amor que não morresse a cada instante
nas margens da rotina, dos preconceitos,
da estreiteza de palavras opacas
pintadas em paredes de cenário.
Um amor sem dedos apontados, culpas,
sorrisos tristes e magoados.
Não sei se tal amor existe ou se é utopia,
fantasia sedenta de encontrar o porquê
de ser-se no outro para além do possível,
para além do indecifrável, para além da sensação
de que o amor é muito mais que tudo isto.
Queria escrever o mais belo poema de amor.
O maior despojamento. A loucura mais completa.
Mas não sei. Não sou capaz. E o poema empalidece.
Que estranha ironia esta de escrever o que
sinto, obstinadamente abraçada à ideia
de que finjo o que escrevo?!

AMS