segunda-feira, junho 26, 2006

Não digas nada

Podia dar-te um amor que fosse do tamanho da lembrança. É mais fácil destruir uma fotografia do que esquecer o rosto que regressa em sonhos.
Podia dar-te a esperança como se fosse a Primavera renovada de um silêncio a dois. É mais fácil destruir os vestígios do passado do que apagar a chama - mais forte que a vontade - sentida no coração.
Mas o amor rende-se à fuga.
Amanhã é outro dia - digo eu. Amanhã não é senão outro dia - dizes tu.
Tão urgente e breve o tempo. E o amor passando tão rente à vida. Tão rente a nós. Equivocando-nos. Desdenhando, obsceno, ao olhar-nos nos olhos. Projectando uma sombra mais nítida do que a da morte.
Sempre que me lembro de ti, recordo mais depressa os pequenos gestos do que os grandes momentos. Quando te lembras de mim, sinto que nunca perdes a venda que usas nos olhos. E o teu amor rende-se ao acaso. Quando o procuro, ele já contorna uma outra dobra do tempo. E os meus olhos rendem-se a um aceno de desgaste, esmorecimento, renúncia. E o meu amor rende-se à sede.
Não digas nada. Eu sei adivinhar. Sê o silêncio. No silêncio, eu ouço o sussurro da tua voz. E ainda que agarrando a inconsistência - sem um olhar, sem uma palavra, sem um abraço, sem um beijjo - a emoção é autêntica e, à força de se repetir, talvez seja, afinal, o teu olhar, o teu abraço, o teu beijo. O teu amor.


AMS

(VIVA PORTUGAL!)