domingo, junho 25, 2006

O nada que alicerça a alma

O peso das palavras é tremendo. O dos actos? Esse pode tornar inútil o ar que respiramos. Habituei-me, desde muito cedo, a aprender separação como quem soletra desapego. Ainda não me habituei, contudo, a este cá-para-lá da frieza, da lonjura, do gesto cortante, do fingimento de onde só os acorrentados à mesquinhez regressam incólumes.
No tempo em que as guerras se faziam com pedras – pedra era a luta.
Hoje é o tempo em que as pessoas se tornam esfingícas como pedras – pedra é o vazio. Algemas. Sombras colando-se ao silêncio.
Sei da distância que me separa dos outros. Sei da distância que me separa de mim. Conheço o frio dos afectos desencontrados. Conheço a ponte que une e corta o real do utópico. Funde-me a dor ardendo em memórias feridas. Fundem-me as fissuras de um coração destroçado. Penso no rosto transitório da vida. Acredito que a morte é o lugar mais próximo. A única verdade. A única certeza.
Vergada pela ar poluído da indiferença, da resignação, das águas paradas de consciências adormecidas ou inexistentes, dedilho até à exaustão das lágrimas a minha desfiguração. E, pouco a pouco, sem um laivo de emoção, emerge em mim uma estátua de pedra absorvendo o sopro da vida que eu fui.

Pedra é o nada que cria alicerces na alma.

AMS