quinta-feira, junho 15, 2006

Ítaca

O relógio bateu as onze horas. O ponteiro - que se movia a cada sexagésima parte do segundo - corria, alegremente. A sala, quase às escuras, de ar parado, parecia indiferente à temperatura amena que se fazia sentir lá fora e ao som de vozes que lhe vinham lembrar que era sábado. Estava, simultameamente, apreensiva e expectante. De vez em quando, ainda que contra a sua vontade, olhava o visor do telemóvel. Eram momentos intermitentes de possibilidade e de improbabilidade. Afinal, nunca se deve afirmar que se conhece alguém muito bem…
Por minutos, a realidade revestia-se de contornos felizes e ela acreditava que ele iria aparecer. Mas, de imediato, o receio tornava-se difícil de controlar.
Chopin fazia ouvir as suas mágoas num prelúdio para piano. Ela começava a sentir as suas. Começava, também, a ficar agitada. Há dois anos que aquela situação se arrastava. Dois anos é muito tempo a tentar encontrar certezas. Estava farta de representar o papel de mulher submissa, burra e cega. Uma presa fácil. Não. Estava a ser injusta. Os seus desencontros eram consequência do conforto desse engano com que ela pretendia vestir-se. Era ela que insistia em alimentar um amor desbotado. Sem força. Era ela que se esforçava por simular. Era ela a máscara.
Um dia acabará tudo – dizia-se uma e outra vez. Como quando era adolescente e sonhava chegar a Ítaca. Içaria as velas e rumaria ao porto de cada emoção, de cada sonho. Nesse tempo, só precisava de uma alma que cobrisse tudo de uma poalha de luz. Nesse tempo… Agora, Ítaca estava cada vez mais longe e inacessível. Um lugar perdido no tempo.
Subitamente, o toque do telemóvel trouxe para a ribalta a realidade. Era uma mensagem - "Queria dar-te os meus parabéns ainda hoje, mas não vou poder chegar a horas. Amanhã, festejaremos. Beijo".
“Amanhã, festejaremos.”… E com estas simples palavras levava com ele o seu presente e o seu futuro.
Em Ítaca, Penélope fechara para sempre o tear. A distância interior acabara por vencer a esperança.

AMS