Reportagem interior
Sou eu que, frequentemente, procuro a solidão. Gosto de deixar a mente vaguear, livremente, por paisagens já visitadas ou por trilhos ainda não percorridos, mas sempre sonhados por loucos ou visionários.Há nesta revisitação/interiorização uma espécie de inocência – ignorância? – e desejo de tornar cristalino o que, em contextos quotidianos, se apresenta complexo e opaco.
Assim, eu e a solidão estamos irremediavelmente comprometidas uma com a outra. Confio nela. Ela é digna dessa confiança. Protege-me, projectando um pouco da sua impermeabilidade a uma certa sensação de exílio que experimento, não raras vezes, no território amorfo dos laços e afectos sociais.
Talvez a minha natureza contenha recessos sombrios que me obrigam a viver a vida postumamente, com um profundo sentimento de renúncia e perda. Talvez, por uma estranha ironia do destino, tente, em vão, retornar às origens devido a uma forte necessidade de amparo que, por vergonha, tento ocultar. A verdade, neste caso, não é propriamente bem-vinda. Sê-lo-á alguma vez?
A minha educação foi sempre direccionada em termos de pecado e castigo, virtude e recompensa. Fui demasiado doutrinada nestes “dogmas” para os poder ignorar ou colocar, deliberadamente, de lado. Gostava de ser imune ao tormento da presença das consciências alheias. Não me basta a minha, fardo pesado, sempre cheia de remorsos, insegura e diminuída?
Digo-me vezes sem conta – tens de te livrar de tudo isso! O que foi jamais voltará. E se aguardas que, por artes mágicas, a prisioneira em que te tornaste encontre a liberdade, uma vida sem instruções, um antídoto que faça desaparecer essa enorme domesticidade… mais vale continuares a condoer-te de ti mesma, admitindo que nunca agirás de outra forma.
Como é difícil reconciliar sentimentos de lealdade, obrigação e gratidão com a angústia proveniente da clara confirmação de que o que temos não é suficiente?
Cerro os olhos para ver melhor. Mas o que vejo, se me ouso a mais divagações, é sempre o retrato do contrário do que pretendo mostrar-me.
AMS