sábado, julho 01, 2006

Errâncias

Não foi fácil habituar-me à ideia de que as nossas vidas se catalogariam pela distância, fundeadas num diluído amor que não regressa.
Houve um tempo feito de minúsculas palavras, de transparentes silêncios e manso respirar. Tempo de quem tudo se devia e dava. Ou o invés.
-
Gosto muito de ti. Estou grato por esta fatia de vida que me foi consentida - dizias, agarrando-te a palavras tentadoras. Que ambos julgávamos salvadoras.
- Ajuda-me a viver. A afastar esta inquietação que transporto comigo. Tenho quase sempre a sensação de andar a perder um tempo precioso, receio cair numa mediocridade que me destruirá. Quero reter o amor. Quero ser feliz! - implorava, tentando preencher as falhas, as pequenas cobardias, os medos.
-
És demasiado exigente contigo e com os outros. Precisas de rir mais, de não levar tudo a sério, de aspirar leveza. No fundo, cada um de nós tem as suas próprias estratégias e defesas para estar na vida. Eis o único caminho possível.
- Eu faço parte dessa tua lista de estratégias? Sou uma dessas estratégias?

- Minha querida, quando perderes tudo, já não perdes nada. Nada é gratuito. Tudo submerge nas vagas das garantias fixas e finitas. É importante fingir. Falar de banalidades. Sobretudo, não pensar. Pensar é o começo da intranquilidade. Hoje por hoje, sem ti, os meus dias são ocos, mais longos e mais tristes. Amanhã? O amanhã não interessa ao hoje. O teu mal é partires seja para o que for com expectativas muito altas, difíceis de manter e impossíveis de superar. O amor acaba por ceder lugar ao desamor. A raiva à mágoa. A desilusão à indiferença e ao esquecimento. Não podes mudar a natureza dos homens. Não é suficiente dizer que, hoje, gosto de ti?!
-
Talvez chegue… não sei… - e, pela primeira vez, via-te incalculavelmente longínquo em mim. A tua verdade, a tua estratégia - a tua defesa - contrariavam a minha vontade. A minha vontade de querer, todavia, era mais forte do que a minha vontade de salvação. De apaziguamento.
Tu procuravas a amplidão. Eu procurava certezas. Tu carregavas o imprevisto. Eu carregava receios. Deste-me um corpo. Eu desejava um amor intocado de efemeridade. Tocado de plenitude.
Dizer-te o quê? Sozinha sonhei o longe e a direcção possível dos ventos. Ficou a rota das tempestades em noite de naufrágio. E um olhar errante por sobre a crista das palavras. Agarrando-se a elas. Perdendo-se nelas.
Hoje entendo melhor que a sensação que as palavras nos deixam é apenas a de um conforto aparente que traduz, quantas vezes, o engano de nós mesmos, o escamotear as verdades, a realidade com
roupagens. Mas o sonho era bom de mais para não o viver.
Hoje sei que a vida não se decreta em função de encontros ou desencontros. Ou existe ou não existe.

AMS