domingo, outubro 15, 2006

"Hemos perdido el ultimo tren"?

Como escreveu Casimiro de Brito - "A vida é uma panaceia inevitável, mas também se morre de panaceias". E a verdade é que começo a sentir-me sufocada ao ouvir falar de tanta desgraça, de tanta vil baixeza, de tanta mentira mascarada de verdade, de tanto “lavar as mãos” - como Pilatos - de um generalizado, e cada vez mais “oportuno”, sentido de justiça…
Mundo de caos. Cenário circense, onde o descrédito e o marasmo são artistas principais. Há miséria, incúria, ignomínia e parece que ninguém vê nada. Ou já perdemos o privilégio de saber ver?
Não creio em homens disfarçados de deuses. Estou cheia de promessas que transbordam bondade e apregoam liberdade, igualdade, fraternidade. Sou contra o poder que serve… servindo-se! Poder é, quase sempre, sinónimo de ambição, arrogância, delírio. O poder rouba a ilusão, a esperança e desagua, inexoravelmente, no cliché inconfundível – “Eu, poder, sei o que é melhor para os outros. Eu, poder, alimento quem me serve; destruo quem me contesta".
Estaremos cegos? Estaremos a perder a capacidade de ver o que nos cerca?
Não, não consigo acomodar-me. Não consigo fingir que não vejo, não leio, não ouço. Tenho uma alma e uma vontade. Como diz Ramón de la Cerna - "Hemos perdido el ultimo tren, pero nos consuela mirar a la luna que también le ha perdido". Não que isto nos valha muito em termos práticos, mas consola. Consola saber que há mais gente a preocupar-se, mais gente cheia de pontos de interrogação, mais gente que recusa a vacuidade das águas turvas dos pântanos e prefere ouvir, ainda que ao longe, muito ao longe, o barulho cristalino da água brotando da nascente.
Há mais gente. Que tem urgência em perceber. Que tem urgência de mudança. Que não desiste de ver. Que não desiste de acreditar.

AMS