quarta-feira, outubro 18, 2006

Mãe, conta-me uma história

- Mãe, conta-me uma história de princesas...
(Um sorriso sereno e enigmático emoldurou o rosto da mãe que, quase em murmúrio, tentou satisfazer o pedido da pequerrucha).
- Era uma vez uma menina...
- Não, eu disse uma história de princesas. Essa menina era uma princesa?
- A seu modo era. Era a princesa dos sonhos... mas também era uma menina... como tu...
- E vivia num palácio com a madrasta e as irmãs más?
- Não, não vivia com a madrasta. Esta era uma princesa muito singular. Vivia com a família e era feliz.
- Ora, assim não tem piada. Não há príncipes... nem bruxas... nem dragões...
- Ouve, esta história não é assim tão simples quanto isso. É verdade que não há dragões, bruxas e, muito menos, maçãs envenenadas... mas há uma coisa bem pior, bem mais terrível...
- O que é, mãe? Ela encontrou um feiticeiro? Foi encantada?
- Claro que não. A princesa dos sonhos cresceu e , um dia, deu-se conta de que não sabia, não podia sonhar. Ela bem fechava os olhos com força, muita força... mas era inútil. Os sonhos não chegavam até ela e, mesmo os que passavam a barreira do real, esfumavam-se... Ela bem tentava agarrá-los... mas só ficava com fumo nas mãos. E, assim, a princesa começou a sentir-se muito só... muito triste...
- E era bonita a princesa dos sonhos?
- Já não recordo bem. Li esta história há muito tempo... Sei que tinha os olhos verdes, de um verde cor-de-ervilha. Não é engraçado?
- Como os teus, mãe? O pai dizia sempre que os teus olhos tinham a cor das ervilhas.
- Talvez... Não, eram mais bonitos, mais límpidos, mais confiantes...
- Mãe, e o que foi que aconteceu à princesa dos sonhos? Morreu? Se ela estava tão triste...
- Não, não morreu. Desapareceu. Um dia, não se sabe bem como, a princesa tinha desaparecido. Na sua cama já não havia uma menina com olhos cor-de-ervilha. Só havia uma mulher.
- Má?
- Não, não era má. Só não acreditava em sonhos e por isso não conseguia ver a beleza da vida - o céu azul, as estrelas, o mar intenso, o amor...
- E o que aconteceu à mulher? Foi presa e castigada?
- Sim. Diz-se que ainda hoje está presa. Foi acusada de ter feito desaparecer a princesa dos sonhos.
- Mãe, estás a chorar? Porquê?
- Tolinha... não estou a chorar. É a luz do candeeiro que me incomoda. As mães não choram quando contam histórias de princesas às filhas.
- Tenho sono... Olha, a princesa nunca mais apareceu? Nunca mais ninguém a viu?
- Ainda deve andar, algures por aí, à procura dos seus sonhos. Mas não fiques triste... a princesa, agora, és tu.
Bons e lindos sonhos, meu amor.

AMS