ser e estar
Num mundo em que a afirmação do eu implica a negação do outro, o cinismo e a indiferença, produtos duma moral artificiosa e incoerente, reinam, triunfantes.Banalizou-se a ausência de valores, de ética e de reflexão nos nossos actos. Experimentamos, já, certa dificuldade em discernir quem somos e onde estamos. E o mais aterrador é a aceitação frívola, desabrochando erros, dessa “ausência de memória” que, cada vez mais, caracteriza o ser e o estar.
Valemos pelo que aparentamos e muito pouco pelo que somos. Uma vida feita de vidas. Frívolas. Mercenárias. Regidas por conveniências sociais e pela tresloucada preocupação de possuir todos os dons e encantos que permitam um lugar de destaque numa sociedade estéril de integridade e norteada por juízos superficiais, incoerentes, morbidamente envenenados de impudicos preconceitos.
Abomino os beatos das regras e convenções. Abomino os defensores de uma única verdade - a sua! Abomino o incenso perfumado de certos gestos, de certos sorrisos de ocasião, de certas palavras apregoando amizade e que ocultam icebergs submersos de hipocrisia. Abomino esta “mornice”, nem quente nem fria, em que, diariamente, naufragamos, manietados por bocejos de uma existência quase mecânica. Falta-nos vontade. Falta-nos paixão. Falta-nos convicção e, sobretudo, falta-nos coragem para tentar modificar o marasmo que nos entorpece, amordaça a alma e a vida.
Quem tem a coragem de perceber que somos mais do que aquilo que os olhos vêem ou os nossos gestos traduzem? Quem tem a coragem de aceitar o outro pela simples razão de que é nos outros que nos conhecemos e encontramos? Quem tem a coragem de vencer as barreiras do conformismo e, ainda que cheio de dúvidas, não enfileirar entre aqueles que dominam pela opressão, pelo embrutecimento, pela desmoralização? Quem tem a coragem, insubmisso e altivo, desafiando a sua própria vulnerabilidade, de germinar a revolta, tendo o infinito como limite? Quem tem a coragem de ser e a ousadia de estar?
AMS