sexta-feira, novembro 03, 2006

Beleza

Tento acompanhar o voltear gracioso como se um átomo de infinito adquirisse contornos reais. E aprendo os ciclos naturais da vida - o êxtase do começo, a fugacidade da duração, a sabedoria do fim. Dou-me conta de que um instante pode ser o tempo todo. De que um instante fica ou se perde para sempre.
Este momento está impregnado de magia. É como se a harmonia projectada pela bailarina rodopiando... rodopiando... rodopiando num bailado suspenso no tempo, me envolvesse subtil e profundamente. Olho-a e olho-me. Não há passos indecisos, gestos ocultos, mãos balouçando receios. Há plenitude, serenidade e uma luz quente que acompanha os seus movimentos e me envolve de emoções há muito retidas. Reatadas. Assumidas.
Contemplo, com mágica clarividência, a pequena estatueta. Os deuses, afinal, existem. Quem, senão eles, para atear tanta beleza fluindo, graciosamente, do corpo esguio e etéreo da bailarina?!
Mas o tempo de mágico sortilégio esvai-se... Não se pode forçar a visão sedutora e rara do eterno.
Começo a baixar, lentamente, a tampa da caixa. A música, em surdina, evaporando-se. E a bailarina partindo. Voltando ao segredo grandioso da criação. Qual? Pouco importa. Conhecê-lo seria diluir a face divina que o mistifica. Basta a beleza do que me foi dado perceber. Basta sentir, ainda, a melodia ecoando dentro de mim.

AMS