quinta-feira, novembro 02, 2006

As aventuras de um sedutor ou a arte de ver estrelas... ao perto

Estava decidido. Hoje desafiaria a sorte. Sentia-se uma espécie de Omar Sharif em Lawrence da Arábia, e os ventos da sorte - acreditava - estavam do seu lado.
Apontou-lhe um sorriso cintilante - daqueles que parecem ter sido polidos com Duraglit - e fustigou-a com um olhar intenso. Mais profundo não podia ser ou corria o risco de trocar os olhos.
Ela encolheu-se no sofá e pôs-se a olhá-lo, de soslaio, entre desconfiada e divertida. Mais divertida do que desconfiada. Aquele corte de cabelo - estilo Eduardo Mãos de Tesoura - aquela pose de star men, tudo, enfim, era deliciosamente hilariante. Que figura caricata! E com tantas flausinas em telepromoção, sedentas de romantismo, lirismo, bucolismo e outras ardentes variações igualmente terminadas em ismo, logo havia de se virar para ela aquele mastim famélico a imitar um xeque árabe... sem poços de petróleo. Aguardou a investida.
O “xeque”, qual ave de rapina ávida de apanhar a indefesa presa, aproximou-se, perigosamente, do sofá. Mas, ao invés de tentar agarrá-la, voltou a presenteá-la com um daqueles sorrisos que trazem anexada a seguinte legenda - Tu és verdadeiramente inacreditável! Melhor, muito melhor do que a Claudia Schiffer ou até mesmo a Bárbara Guimarães…
O mastim afiava os dentes, hã?! Caramba, ia ser difícil livrar-se daquele dobermann que, sem aviso prévio, acometeria mal ela mostrasse a mínima fragilidade. De rompante, levantou-se do sofá. Ele seguiu-a. Ela recuou ainda mais, pensando com algum conforto - Quem pensa que nos faz assustar, mais dia menos dia, faz-nos bocejar.
Ele ia-se aproximando com passadinhas inocentes de hiena esfomeada, pronta a dar o salto, enquanto dizia - Já te sinto tão entusiasmada quanto eu, minha pequerrucha - (pequerrucha?!!!) . Quero encher esse coraçaozinho de felicidade. As almas não mentem, meu anjo, e as nossas dizem que a atracção é recíproca…
Irra! Que notável desfaçatez! Atracção recíproca?! Esqueceu-se do fatal, coitado. Mas, meu caro, há uma certa disparidade de investimento e lucro com a qual é sempre bom contar. Pelo que te toca, meu figurão, a disparidade é altíssima.
- Meu querubim, entrega-te. Desiste dessa luta inglória e mergulha na incandescência amorosa das nossas vontades, do nosso desejo…
O rottweiler não desistia e, pelos vistos, começava a mostrar uma certa tendência para a religião. Hum… um rottweiler com asas não entrava no guião. Ela recua. Recua tanto que as costas param na parede. Alto lá… daqui não passo e se ele continua a aproximar-se mais estarei no epicentro de uma desgraça iminente… ainda que celestial...
- Minha bonequinha tirolesa, não tens saída. Vem a meus braços… vem… vou recitar-te a Ode Triunfal… vem… dá-me a tua mão… deixa-me guiar-te... Far-te-ei ver o sistema solar todo: estrelas, planetas…
Que mania aquela do firmamento. Aquilo já nem com exorcismo passava, livra! Olhou uma última vez para o Adónis que mantinha o sorriso de quem ganhara o jackpot. Quando ele lhe agarrou, sofregamente, a mão, encaixou-lhe, literalmente, um dos quadros da parede, na cabeça. Pum…. O “verinaice” estrebuchou e caiu, redondo, no chão.
Por breves momentos, muito breves, ainda pensou varrer os restos da moldura e da tela. Ora… ele, quando acordasse, que os mandasse reciclar. Por agora, deixava-o “entretido” a ver as tais estrelas * * * * * . Sozinho, claro. Sem a bonequinha tirolesa, pois…
Fechou a porta atrás de si e pensou: quem entra no baile… acaba sempre por dançar... ainda que sozinho!

AMS