Natal Na Alma
Céu de chumbo de meados de Dezembro.Cada vez mais cedo - que urge fazer esquecer a crise - os nossos governantes mandam tecer grinaldas de lâmpadas com que, uma vez mais - em vão! - tentam florir Dezembro e o sempre Natal do nosso contentamento.
É incontestável que a época que atravessamos parece mais feérica do que nunca; que, envoltas em sons festivos e clarões de milhares de luzinhas, as pessoas parecem mais felizes. Mais atordoadas?
Só que, algures, na escuridão dos nossos medo, das nossas incúrias - que tentamos ocultar ou ignorar - há guerra, há fome, há miséria, insegurança, paz procurada na ponta das armas, crianças maltratadas, mutiladas, moribundas... E há olhos que não querem ver. E há bocas cerradas. E há o silêncio dos inocentes.
Tudo isto esquecido, escondido, banalizado na decorrência apática, alheada, inconsciente do nosso viver.
Diz um provérbio chinês que "as palavras são sons do coração". Assim sendo, homens de boa vontade, é urgente tornar "universal a consoada"!
Gosto da festa de Natal, não o nego. Parece que as pessoas se transformam: ficam menos desnudas de sentimentos, mais prontas a "dar-se" e, claro, mais prontas a gastar. Assumo, igualmente, que faço parte da manada consumista e hipócrita que faz do Natal um templo cheio de "vendilhões". Não creio, contudo, que valha a pena criar bodes expiatórios para as nossas misérias nem, tão-pouco, reinventar modernos infernos para os punir. Basta que tenhamos vergonha na cara, pelo menos neste Natal. Aliás, não deixa de ser irónico - e incrivelmente folclórico - o virtual desejo que todos apregoam de, num único dia do ano, fazer do mundo o tal paraíso. Voltar, enfim, à época de ouro da humanidade durante... vinte e quatro horas.
Por outro lado, o "poder" também contribui para aumentar o caos. Dir-se-ia que vive dele. Não só admite a miséria como ele próprio a patrocina; não só admite a violência como também a perpetua; não só defende a intolerância como também faz propagar a injustiça.
Solução - Precisa-se! Justiça - Exige-se! Mudança - Para quando?
Falta-nos união. Falta-nos coragem. Falta-nos carácter.
Se cada um de nós - homens de boa vontade? - tentasse solidarizar-se com todos aqueles que são vítimas inocentes da insanidade colectiva da humanidade e do peso dos "pecados" estruturais das sociedades ditas civilizacionais; se cada um de nós dissesse não à bestialidade e brutalidade que nos cercam, apressando-se a exortar nos mais jovens sentimentos de solidariedade, fraternidade e igualdade, quem sabe se algo não mudaria?! Quem sabe se, desse modo, a vida e a dignidade humanas não passariam a valer mais do que um punhado de diamantes, uns poços de petróleo, uma amálgama de armas sofisticadas?!
Desejos. Ilusões. Só isso? Não. A tua obra-prima, Deus de todos nós - embora me pareça, às vezes, que só de alguns, desculpa... - já não está perfeita. Tanta coisa a emendar. Tanta coisa a modificar. Terei, teremos de melhorar um pouco mais. Bastante mais. E descobrir em cada outro o teu rosto!
AMS