sábado, outubro 21, 2006

Despertares

Feliz aniversário!
Nunca te passará pela cabeça que me lembrei desta data; muito menos que me lembrei de ti. Lembrei. Quantos anos já passaram? Uma eternidade! Não vou escrever a tua idade. Sim, eu sei que a maioria dos homens não liga a essa história de revelar a idade real. Esse hábito de omitir ou deturpar o ano de nascimento - já quase um dogma - costuma pertencer ao reino feminino. Claro que há sempre excepções. Não creio que seja o teu caso. A razão é outra. Simples. O homem que tu és presentemente, a idade que tens, as mudanças que o tempo - logicamente - provocou em ti - o certo é que provoca em todos… Pobres dos que estão convencidos que são imutáveis… - tudo isso pouco me diz. Ou nada.
Lembrei-me simplesmente do dia de aniversário do meu amigo de infância. Do meu primeiro amor. Sim, foste o meu príncipe encantado naquela idade em que é possível acreditar em contos de fadas. Só muito mais tarde, creio, te apercebeste do meu encantamento por ti. Nessa altura, ironicamente, eu já tinha deixado de acreditar em estórias de princesas e de príncipes que lutam com dragões para as conquistar.
Nunca reparaste, quando as nossas famílias se juntavam em época de praia, na miúda que não tirava os olhos do teu rosto, dos teus gestos, te seguia para todo o lado como uma sombra, e que, ingenuamente, confessava à mãe - “Quando crescer, vou casar com o …” . A minha mãe achava piada e dizia habitualmente - “ És uma tonta! Querem ver que a formiga já…”. E ia, célere e divertida, contar a “anedota” ao meu pai que, mais sensível a essas coisas do coração, dizia - “ A vida dá muitas voltas, filha. Mas não seria melhor pensares em casar com um homem mais novo? Quando tiveres idade para casar, já ele será avô”. Só agora reparo no exagero das suas palavras e na sua ânsia - já nessa altura - de me proteger, evitando-me desilusões.
Também nunca soubeste - e nunca saberás, já que nunca lerás este texto - que havia uma adolescente magricela e feiosa que, impreterivelmente, às duas da tarde, se colava à janela… apenas para te ver passar. Agora sei que o amor, mesmo que não haja “um depois”, começa sempre desse modo. Não nos é dado escolher o momento do seu aparecimento. Ele surge sem ser convidado. E era assim mesmo. Perdia-me nos teus olhos. Perdia-me no teu sorriso branco. Amuava com as tuas “gracinhas” relativas ao meu crescimento, aos meus pretendentes, aos meus segredos, e não fazia a menor ideia que a tudo isso se chamava amor.
Recordarás o dia em que festejei os meus quinze anos? Duvido. Estavam todos reunidos - como depois esses momentos foram rareando… - familiares e amigos, caprichando em tornar aquele dia inesquecível à aniversariante. Só que a “rainha da festa”, eu, apenas teve a percepção de que era o centro de todos os que ali se encontravam quando tu, o centro do meu limitado mundo, apareceste, fugazmente, para me dar um beijo e uma caixa de chocolates. Foste o mais belo presente daquele dia. Aliás, nessa altura, esta tua amiga, gulosa compulsiva, jurou, nunca por nunca, tocar na caixa de bombons que lhe tinhas oferecido. Desgraçadamente, o irmão, espírito bem mais prosaico, decidiu profanar a sagrada relíquia, chamando-lhe “um figo”.
Nesse dia memorável - disse-me o meu sexto sentido de menina quase mulher - “viste-me” pela primeira vez. “ Estás muito bonita! Vais precisar de um guarda-costas para te defender…” - disseste, rindo, fingindo não reparar no meu rubor de felicidade. Posso dizer, e não estarei muito longe da verdade, que foi, nesse momento, que senti a minha primeira arritmia.
Contigo o amor deixou de ser uma miragem. Encontrei-o pela primeira vez. E sonhei. E suspirei. E sorri. E fui feliz. E chorei.
Quando soube da tua partida para Inglaterra, o meu mundo desmoronou-se. A miúda deu, definitivamente, lugar à mulher. A minha tristeza exteriorizou-se de tal forma que, acredito, tu te apercebeste, finalmente, da minha paixão. Do meu amor. Criancices! Ilusões de adolescente - explicaste com a lógica tão falta de lógica dos homens. E partiste.
O rio do tempo arrastou-nos no seu caudal. Aos poucos, a tua imagem foi-se desvanecendo e deu lugar a outras imagens. Nunca percebi por que razão nunca casaste. Houve um tempo em que me agradava pensar - desculpa a maldade - que nunca tinhas encontrado alguém que se perdesse no teu olhar… Fantasias de mulher!
De quando em vez, tinha notícias tuas. Solteirão convicto. Mulherengo assumido e… irrecuperável. E eu cismava, recordando a miúda da praia. Aquela que dizia - “Quando crescer, vou casar com o…”!
De tudo isto me lembrei, hoje. Porque é o dia do teu aniversário. Porque, de certa forma, foi contigo que descobri que o amor é o tal “fogo que arde…”. Porque não há nostalgia sombria nestas recordações - só uma luz quente que se derrama sobre as palavras e as inunda para sempre da beleza única, intensa e mística do primeiro amor.

AMS