sexta-feira, outubro 20, 2006

Sem Final?!

É aqui que começa a história.
Uma história simples. Não podia ser de outra maneira.
A história de um homem e de uma mulher que se cruzam, um dia, mas não chegam a encontrar-se. Passarão um pelo outro, perto, muito perto, mas as suas histórias não se cruzarão. A vida é puro acaso, dizem. Todavia, experimentarão a subtil sensação de um quase olhar, de um quase toque, de um quase fundir de silêncios que chegasse ao coração um do outro. Quase tudo. Quase nada. Culpa da autora, certamente, que os delineou seres ocasionais. Este erro fechá-los-á na linha de um eterno equívoco. Eles vão passar um pelo outro, é certo, mas não se reconhecerão. Seres anónimos. Sem ódio. Sem amor. Sem saudade nem desejo.
Será possível mudar o rumo à história? Toda a gente gosta de romance…
Vamos por tentativas. E se a disfarçasse de Julieta e a ele de Romeu? Não. O final seria, indubitavelmente, trágico. E o leitor gosta de vida, de uma história de amor - pequenina que seja.
Ele e ela. Com a distância a separá-los e a intimidade dos seus pensamentos à espera que a autora - senhora dos seus destinos - se decida a mudar-lhes o percurso das suas vidas.
Por que motivo esperam eles? Por que motivo esperamos todos? Talvez só lhes/nos reste mesmo a espera. O resto é um enigma. O resto, aliás, pode nunca vir a acontecer. Pode haver demasiadas ampulhetas e muito pouco tempo. Mas nada disto os preocupa. São verdades comuns. Verdades que não negam a verdade do coração. E é por isso que nenhum deles resolveu, ainda, atravessar a rua.
Que se há-de narrar nesta história? Que, um dia, alguém, por capricho de quem resolve brincar aos escritores - seres poderosos que podem ziguezaguar a vida… dos outros - entrou, por acaso - debilidade ou ousadia - na história de um outro alguém e que, contra a vontade de quem o criou, rasgou o guião e se escreveu a si próprio?
Às vezes, precisamos de um fim diferente. De uma história com um final convocando momentos de felicidade. Precária, embora. Fugidia. Como um encontro inesperado, num local imprevisto, num fim de tarde igual a tantos outros.
E aqui começa, novamente, a história. Um homem. Uma mulher. Ambos atravessam uma qualquer rua em direcções opostas. De repente, no momento em que se cruzam, olham-se. Nada faz prever que estejam a comportar-se diferentemente do costume. Nem um pequeno sinal que possa permitir aos observadores, mesmo aos mais atentos, afirmar que alguma coisa se vai passar. Apenas um homem e uma mulher que se cruzam e se olham.
A história passa a pertencer ao leitor. E a eles. Que irá passar-se? Que se terá passado? E ter-se-á passado alguma coisa para além do que deveria passar-se?!

AMS