quinta-feira, outubro 19, 2006

Folhas

Flores vermelhas, insinuantemente ornamentadas de folhas verdes, estão por todo o lado. Chamejantes, atractivas, sem nada para perder ou para ganhar a não ser o brilho fugaz de uma beleza caprichosa e inglória. Quais flores de plástico que nunca morrem, é certo, mas que nunca poderão apreciar o contacto de uma borboleta pousando, delicadamente, nas suas pétalas, porque são incapazes de sentir a leveza de uma carícia, o aroma indecifrável de uma gota de chuva ou de uma lágrima. Se tiverem um bocadinho de tempo e de paciência, vou tentar contar-lhes a história de uma folha. De uma folha?!... Não seria mais interessante uma história de flores? - dirão os mais exigentes. Talvez... Só que essas histórias requerem uma arte que não possuo, uma espécie de insolação discursiva, como diria certo escritor. Rendo-me, pois, à história da folha. Uma folha de árvore. Uma folha que tem, teimosamente, persistentemente - tolamente ? - resistido ao calor sufocante e abrasador dos verões, ao frio gélido dos invernos, aos ventos imprevisíveis - mas fortes e violentos - que passam, em lutas quotidianas, sobre a sua árvore. Só que uma folha não pode aguentar-se eternamente presa a uma árvore. Não pode... nem quer. Ela vê as outras folhas esvoaçarem agilmente, douradas, acastanhadas, soltas, e também sonha desprender-se do ramo protector e, simultaneamente, carcereiro, que a sustém. Por outro lado, também vê as folhas caídas, calcadas, espezinhadas por pés indiferentes. E tem medo. O Outono chegará brevemente. Ela oscila, oscila... mas ainda não teve coragem para se deixar cair. Às vezes, naqueles momentos de hesitação, ela pergunta-se - "Porque estou aqui? Eu não posso morrer. Já morri demasiadas vezes... De que tenho medo?". Pobre folha. Não sabe que o que a prende é, tão-somente, o que receia. Que o que a guarda é a fragilidade. E oscila, oscila... Esta história acaba aqui, ou antes, não acaba.A folha lá continua suspensa na árvore, vendo a vida timidamente escurecer por nuvens carregadas de uma certeza que não é possível ludibriar. Perdoem, mas não consigo dar um fim à história. Não pretendo o chamado" final feliz" - demasiado banal - e que não condiz com folhas frágeis e oscilantes. Também não desejo para a folha uma tragédia; muito menos o epílogo mais previsível - que seque, que o dourado desapareça... sem que sinta jamais a sensação inebriante de voar por um segundo que seja. Encantada. Ainda que desencantada.
O que irá acontecer a esta folha?!

AMS